quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

José Mora, um artista algarvio que se perdeu no altar da fama


Nos finais século XIX, princípios do seguinte, era Lisboa, então como hoje, não só a capital do Império, como também o fulcro da cultura e da criação artística nacional. Razão pela qual se transformara num autêntico magnete de sedução e aliciamento para os novos e mais promissores talentos nacionais. O jovem algarvio José Mora, foi mais um dos que emigraram para a capital à procura de uma oportunidade de vida e do tão almejado sucesso. Alcançou-o, embora vagamente, no teatro.
Igreja matriz de Portimão, centro cívico do velho burgo
 Os primeiros paços na Arte de Talma iniciou-os na sua terra natal, a sempre próspera mas ignorada Vila Nova de Portimão, centro portuário de grande projecção regional, pelo qual se escoavam muitas toneladas de conservas de peixe, de figo, amêndoa, azeite, vinhos e aguardentes, cortiça, esparto, e uma miríade de outras produções locais, de entre as quais se distinguiam os citrinos de Silves. Várias foram as famílias que naquele porto se distinguiram e enriqueceram pelo seu empreendedorismo, desde os Bivares aos Vilarinhos, fomentadores da indústria corticeira, dos Júdice Fialhos, os Feus, magnatas da indústria transformadora das pescas, passando pelos escritórios de exportação da família Teixeira Gomes, que viria a distinguir-se na política, chegando à mais alta magistratura nacional, mas também na literatura portuguesa, conquistando lugar de destaque entre os maiores do seu tempo.
Vista parcial de Vila Nova de Portimão, cerca de 1906
Deixando o seu grupo de amadores e os improvisados tablados, que a muito sacrifício se erguiam nas associações operárias, passou depois José Mora a tentar a sua sorte no Teatro Lethes, em Faro. Distinguiu-se logo pelo fulgor histriónico da sua voz, e pela estampa física, tenteando o êxito em pequenos monólogos poéticos e depois em peças mais exigentes de autores consagrados. A família Cúmano, sustentava o palco e a Companhia do Lethes, com a ampla generosidade da sua avultada fortuna, que apesar de tudo não conseguiu resistir à morte do seu principal promotor, nem à crise provocada pelo célebre Ultimatum, que no fim de século exauriu as finanças públicas e mergulhou o país na maior carência e austeridade. Perante a realidade, dura e crua, não restava ao jovem José Mora outra solução senão rumar à capital, para onde, aliás, se costumavam dirigir os que nesse tempo dessem provas de talento e de competência profissional.
O antigo Teatro Avenida em Lisboa, hoje inexistente
Mercê das suas capacidades naturais de inteligência para se adaptar à interpretação, e da sua prodigiosa memória para decorar rapidamente os papéis de cena, em breve arranjaria trabalho. Esteou-se, ao que parece, no Teatro Avenida, do conceituado empresário Luiz Galhardo, a 7 de Agosto de 1914. Mas um amigo, reconhecendo-lhe as qualidades levou-o para a Companhia Taveira, no Teatro da Trindade, que aliás já o conheciam aqui do Lethes. Pouco depois foi para o Teatro Gymnasio, do célebre Actor Valle – que também já tinha vindo a Faro – e dali não tardou a ir para o Teatro D. Amélia, cujo empresário, o ilustre Visconde de S. Luiz Braga, pontificava pela descoberta dos melhores talentos na Arte de Talma, que dali seguiam quase todos para os glorificados palcos do S. Carlos e D. Maria.
Os antigos Teatros de Lisboa
Com que pena, à distância de mais de um século, avaliamos hoje a carreira de José Mora, uma grande promessa do teatro na capital, em cujos tablados, e eram muitos, se representavam diferentes géneros, da tragédia à comédia, com particular relevo para a interpretação das peças de grandes vultos da dramaturgia nacional, desde Garrett, Herculano, Pinheiro Chagas, Mendes Leal, D. João da Câmara, Lopes de Mendonça, Marcelino Mesquita até ao jovem Júlio Dantas. Tivesse ele mais juízo e mais cuidado na escolha das suas amizades, e certamente estaríamos hoje a falar de uma grande figura do tablado artístico nacional. Deixou-se seduzir pela estúrdia da vida nocturna, misturando a bebida com os amores mercenários, confundindo as exigências do trabalho com o laxismo da boémia. Em breve começou a dar sinais de decadência. Faltava aos ensaios, embriagava-se com a malta da estiva, contraiu doenças, desempregou-se, enfim… apressou a morte, quando os traços da juventude ainda ornavam o seu rosto de Apolo.
Perdeu-se um talento que dera sinais de grande exuberância no papel do Romão Alquilador, nessa imortal peça «A Severa» de Júlio Dantas, que depois se transformaria num dos romances de maior sucesso na literatura portuguesa. Na opinião dos melhores críticos de teatro, com assento na imprensa do início de século, foi José Mora muito elogiado, não só na «Severa» como ainda nos dramas de «Maria Antonieta», na «Morgadinha de Valflor», de Pinheiro Chagas, na comédia «Negócios são Negócios», e em muitas outras que já não chegou senão a papéis secundários.
Nasceu este desafortunado rapaz na então Vila Nova de Portimão, em12 de Agosto de 1879 e faleceu em Lisboa a 29 de janeiro de 1928, com 48 anos de idade. É assim a vida artística, por vezes por vezes o caminho do êxito e da fama torna-se tão sinuoso e labiríntico que pode conduzir os incautos à caverna do Minotauro.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Sebastião Ferreira, notável professor e digno fundador da Mutualidade Popular de Faro

Sebastião Ferreira
Recordo hoje o professor Sebastião José Ferreira, um notável professor primário, que educou gerações no elevado sentido do termo educare, isto é, formar e modelar o carácter das crianças, transmitindo-lhes valores éticos e morais, indicando-lhes o sentido da fraternidade e do bem comum. É hoje uma figura absolutamente ignorada, quer em Loulé, sua terra-natal, quer em Faro, onde pontificou um lugar de destaque na sociedade do seu tempo através da fundação da Mutualidade Popular, uma espécie de sindicato e montepio da classe dos professores primários no Algarve.
Sebastião José Ferreira, foi professor e inspector do Ensino Primário. Nasceu em 1880, na progressiva vila de Loulé, e veio a falecer em Lisboa (na casa de seu genro, o conhecido e igualmente muito estimado Dr. Faustino Vidal) a 14-10-1953, com 73 anos de idade.
Como professor primário chegou a desfrutar de certa proeminência social, não só pelas suas naturais aptidões para a docência, como ainda pela forma afável e compreensiva como tratava as crianças, sobretudo nos momentos cruciais da sua avaliação final, já que Sebastião Ferreira foi examinador regional da instrução primária, qualidade em que percorreu diversos estabelecimentos de ensino. Sabemos também que desempenhou o seu múnus profissional em vários pontos do Algarve, após o que se fixou em Faro, onde mercê das suas qualidades humanas e profissionais recebeu justíssimos louvores dos seus concidadãos, que lhe reconheceram atributos de honra e de bondade dignos da maior reverência. A sua experiência e competência profissional valeram-lhe a tão honrosa quanto justa nomeação para o cargo de Inspector do Ensino Primário, que julgo ter exercido quase exclusivamente no Algarve, e em cujas funções se reformaria pouco antes de se declarar a doença que lhe roubaria a vida.
O prof. Sebastião Ferreira, tornou-se pelo seu diamantino carácter numa das figuras mais distintas de Faro, não só pela dedicação à educação das crianças, como particularmente com a situação económica e profissional dos seus colegas, de cujo desempenho dependia a formação intelectual e social das gerações futuras. Por essa razão foi convidado a participar nos corpos gerentes da Mutualidade Popular de Faro, que ajudara a fundar, e que era uma espécie de montepio dos professores primários. A essa brilhante instituição, que ainda hoje existe, prestou assídua colaboração, devendo-se-lhe os mais valiosos e relevantes serviços.
O seu carácter bondoso e afável, as suas atitudes de constante e discreta benemerência, não lhe deixavam ter rivais nem inimigos, criando à sua volta uma verdadeira onda magnética de empatia social. A bem dizer toda a sociedade farense da primeira metade do século XX, tinha pelo Prof. Sebastião Ferreira, uma profunda amizade, verdadeira estima e grande consideração.
Foi casado com D. Maria da Piedade Ferreira, de quem teve duas filhas, duas notáveis mulheres do seu tempo, que ainda tive o prazer de conhecer pessoalmente, refiro-me à Dr.ª Noémia Ferreira Nabais, ilustre médica que exercia clínica em Lisboa, casada com o não menos famoso Dr. Faustino Vidal Nabais; e à Dr. Nídia Ferreira Neto, advogada de sólida formação intelectual e cidadã da mais rara sensibilidade cultural, que foi delegada do Instituto Maternal do Algarve, casada com João da Silva Neto, um dos mais ricos proprietários do Algarve, que foi vereador da Câmara de Faro e director da Companhia de Pescarias do Algarve, da qual era um dos principais accionistas. O seu filho, o Dr. João Manuel Ferreira Neto, foi um dos mais prestigiados funcionários superiores da TAP, falecido no declinar deste século, poucos meses depois da morte da sua querida mãe, cidadã das mais ilustres de Faro.
Jardim Manuel Bivar, cerca de 1940

Vem a talhe de foice lembrar que a residência de Sebastião Ferreira e a vastíssima propriedade onde nasceu a Dr.ª Nídia Neto foram expropriadas pelo Estado, e por ínfimo valor, nos conturbados anos do pós “25 de Abril”, para nela se erigir o Instituto Politécnico de Faro, depois transformado em Campus da Penha da actual Universidade do Algarve. A casa apalaçada que hoje se encontra junto à avenida de acesso à estrada de Olhão, estava anteriormente situada nas imediações da actual Escola Superior de Tecnologia.