segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Mário de Oliveira, um jornalista na fundação e organização competitiva do futebol algarvio, nos primórdios do século XX

Numa altura em que muito se fala, nos órgãos de comunicação desportiva, sobre o reconhecimento e validação dos campeonatos de futebol realizados a partir de 1921 até 1934, ocorreu-me evocar aqui a memória de um grande jornalista, que quando ainda vivia em Faro, sugeriu a formação de torneio de futebol que englobasse todos os clubes do país. Foi, por isso, escolhido para fazer parte da comissão organizadora do primeiro campeonato de Portugal, realizado em 1921, conquistado pelo Futebol Clube do Porto.
Mário de Oliveira, numa
das suas últimas fotos
Chamava-se Mário Fernando de Oliveira, embora ficasse conhecido pelo primeiro e último nome, por ser desse modo que sempre assinou os seus escritos, ao longo da sua profícua existência de homem público. Além da sua actividade profissional, desenvolvida numa das maiores empresas públicas do país, os CTT, ocupava os seus tempos livres na divulgação e fomento do desporto, mais propriamente na implementação do futebol. Pode dizer-se que, a seguir ao artista e professor Carlos Lyster Franco (principal divulgador do futebol, nomeadamente das suas regras junto das camadas jovens), foi Mário de Oliveira quem mais se dedicou e se destacou na formação e organização competitiva do futebol no Algarve. Presumo que nunca lhe prestaram qualquer homenagem de gratidão e reconhecimento pelo trabalho desenvolvido nos princípios do século passado não só no fomento do desporto como também no jornalismo, nomeadamente na fundação do jornal «A Bola», que ainda hoje se publica.
Inspector reformado dos CTT e conceituado jornalista da imprensa diária e regional, Mário Fernando de Oliveira, nasceu em Lisboa, a 26-11-1890 e faleceu na capital a 25-5-1969, com 78 anos de idade. À data do seu falecimento era considerado como o decano dos jornalistas desportivos, tendo ainda a glória de ser um dos últimos sobreviventes que fundaram o “glorioso SLB” – Sport Lisboa e Benfica. A este propósito devo acrescentar que o jornalista, Mário Fernando de Oliveira, era em 1945 o sócio nº 85 do Sport Lisboa e Benfica, cabendo-lhe a honra de ter sido o último plumitivo a fazer uma entrevista a Cosme Damião, publicada na edição nº 11, de 5-3-1945, do jornal «A Bola». Para os benfiquistas a figura de Cosme Damião é quase mítica, pois além de ter sido um dos fundadores do clube, foi também atleta e capitão da equipa, treinador, dirigente e, por fim, jornalista desportivo ao serviço das “águias”.
Praça da Rainha, em Faro, em torno do «Jardim do Ba-
   calhau» realizaram-se as primeiras corridas de bicicletas
Estudou no antigo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, onde concluiu o curso especial de telégrafos que lhe permitiu, em 1909, ingressar nos C. T. T. como aspirante auxiliar.
Em 1911 veio para Faro desempenhar o cargo de chefe de serviços da secção electrotécnica dos Correios Telégrafos e telefones de Portugal, aqui se demorando até 1916. Durante esse período dedicou-se também ao jornalismo, colaborando não só na imprensa local como ainda em órgãos da capital, enviando daqui notícias sobre diversos assuntos da política, da indústria pesqueira e do desenvolvimento regional. Entre 1912 e 1916 foi colaborador e depois assumidamente redactor de «O Algarve», semanário de Faro, fundado em 1908, que foi o decano da imprensa algarvia. Durante a sua estadia no Algarve dedicou-se à divulgação do desporto – ciclismo, natação e sobretudo do futebol –, tendo-se empenhado na oficialização estatutária dos clubes locais, na composição de torneios regionais e na organização dos meios reguladores da prática desportiva. Nesse âmbito, foi designado como delegado da Associação de Futebol do Algarve para integrar a comissão organizadora do primeiro Campeonato de Portugal.
Praça D. Carlos I, local onde se organizaram os primeiros
desafios de futebol com os alunos do Liceu de Faro
No prosseguimento da sua vida profissional, transferiu-se em 1926 para Lisboa, a fim de assumir a chefia da circunscrição técnica de Lisboa, passando em 1935 a chefe dos serviços telefónicos da capital. Todas as promoções nos C. T. T., foram alcançadas por meio de concurso ou de provas públicas, e sempre com as melhores classificações. Pertenceu ao conselho disciplinar dos C. T. T., e redigiu o primeiro regulamento interno daquele organismo. Foi director da Associação de Classe do Pessoal Maior dos Correios e Telégrafos e redactor do «Boletim» que lhe serviu de órgão público. Foi chefe de serviços de 1.ª classe até que se reformou no quadro de inspectores dos CTT.
Como jornalismo desenvolveu ao longo da vida uma intensa e meritória actividade, sobretudo nos órgãos de informação desportiva. Assim, entre 1916 e 1920 foi colaborador de «O Sport» de Lisboa, e seu director de 1921 a 1924; escreveu assiduamente e com inspirada mordacidade, de 1922 a 1923, no «Cega-Rega», semanário humorístico, dirigido por Raul Neves Reis; foi redactor desportivo, em 1924, de «A Pátria», jornal dirigido pelo Dr. Nuno Simões, distinto intelectual e homem público; foi director de «O Sport Ilustrado» em 1934 e do semanário de critica sociopolítica «Pão, Pão...». Como redactor e colaborador pertenceu aos quadros de «Os Sports» (1925-1931); do «Correio Desportivo» (1926); de «A Bola» (desde 1932); do «Stadium» (1933); do «Sprint» (1934); da «Voz Desportiva», de Coimbra; etc. Colaborou quase até ao fim da vida na secção desportiva do jornal «O Século», etc., etc.
Capa da primeira história do SLB, uma
obra de referência de Mário de Oliveira
Acresce dizer que Mário de Oliveira ocupou ao longo da vida importantes cargos directivos nas Federações Portuguesas de Ciclismo e de Natação. Aliás foi por sua iniciativa que se começaram a realizar as corridas anuais de ciclismo designadas por «Chama da Pátria», que se mantiveram durante a vigência do regime salazarista. como uma festiva expressão popular do desporto nacional. Também ao seu espírito de iniciativa, dedicação e capacidade de trabalho, se ficou a dever organização do I Congresso Nacional de Futebol, realizado em 1938 na capital, comemorando-se dessa forma o 50.º aniversário da introdução do futebol em Portugal.
Como publicista deu à estampa os seguintes títulos: No Forte de Caxias, Lisboa, 1918; O Treino do Nadador, Lisboa, 1934; A Organização Nacional do Futebol e as suas grandes competições nacionais, tese apresentada no I Congresso Nacional de Futebol, realizado em Lisboa, em 1938, por iniciativa do jornal «O Século». No concurso de novelas desportivas, levado a cabo pelo jornal «Os Sports», obteve um dos primeiros prémios pela novela publicada naquele órgão. Como fervoroso adepto benfiquista, publicou de parceria com Rebelo da Silva, seu colega na redacção do «Século», o livro História do Benfica, que obteve largo êxito, sendo hoje quase uma raridade bibliográfica.