quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Um belo soneto místico de Cândido Guerreiro


Entre os mais consagrados poetas do Algarve assume particular relevo a obra lírica de Cândido Guerreiro, cujo aspecto físico de místico ancião, com longas barbas brancas, conferiam-lhe o sagrado halo bíblico de um velho profeta. Ainda hoje respeitamos a sua memória, e lembramos com eterna saudade a sua inspiração de aedo latino, que cantou com invejável beleza a mensagem de Deus, a primazia do Amor e da Virtude, a suprema grandeza da Pátria, os desígnios do Homem e da Família, a hegemonia da Estética e a prevalência do Belo e da Perfeição, na figura tutelar da mulher e da mãe.
Cândido Guerreiro, aos 80 anos de idade
De todos são conhecidas as suas humildes origens, na serrenha aldeia de Alte, em cujas fontes bebeu muita da sua inspiração poética e do seu refulgente génio criativo, transmitido à luz da estampa nos mais belos sonetos de que se pode ufanar a lírica algarvia. A sua obra assenta na trindade lírica do Amor, como valor supremo da existência humana, na transfiguração da vida através do mistério da Morte, e na eternidade de Deus. Não houve na nossa poética contemporânea um emitente da palavra divina com tão genial inspiração como Cândido Guerreiro, sem todavia cair na singeleza lamechas do beato que faz da poesia uma espécie de oração hipócrita do fanático devoto. Não, o poeta Cândido Guerreiro nunca teve uma postura cívica que se pudesse dizer comprometida com a religião ou com a Igreja. No dealbar da República chegou mesmo a protagonizar rebarbativas polémicas e a sustentar infelizes diatribes com o clero louletano. Foram episódios desagradáveis que encheram as colunas dos periódicos da época, e dos quais julgo que nenhuma das partes saiu incólume. O próprio poeta a eles se haveria de referir, mais tarde, como arrebatamentos do espírito republicano – excessos que o tempo justificava, mas que com o avançar da idade lhe suscitavam um certo constrangimento, a par de um intrínseco arrependimento.
Cândido Guerreiro foi um fecundo e vibrante idealista que amava a Liberdade, julgando nela personificados os supremos ideais da República. Enganou-se, ou melhor, foi vítima das circunstâncias da vida e do tempo, que transformaram as quimeras da República numa panaceia infundida no embuste e na ilusão.
Apesar da sua liberalidade política, e do seu republicanismo ideológico, Cândido Guerreiro foi, acima de tudo, um poeta, que deixava transparecer nos seus versos a personalidade de um homem crente, pleno de fé e de espírito religioso. Os sonetos de Cândido Guerreiro, na sua pluridiversidade temática, exaltam o Amor, a Mulher, o Algarve, Deus, e a Morte. Todavia, a maioria dos seus belos sonetos evidenciam um profundo misticismo, um indisfarçável espírito religioso. A figura imaculada da mulher, a divindade feminina e a Virgem Maria, são uma contante presença nos seus versos. O mesmo acontece nos poemas dirigidos à divina corte do reino dos céus, que glorifica a hagiografia da fé católica, com magistrais sonetos, que poderiam considerar-se orações religiosas, para honra e graça dos nossos santos mais populares, como Stº António, S. Vicente, S. Tomás de Aquino, S. Lourenço, S. Tiago ou até mesmo a nossa Rainha Santa Isabel, de tão grata memória para os pobres e desvalidos.
É nesse espírito místico, religioso, crente e devoto que se inscreve este soneto, «O Cipreste», oferecido pela mão do próprio poeta ao seu amigo Dr. Amadeu Fereira d’Almeida, embaixador, escritor, colecionador de arte e mecenas das letras pátrias, no qual resplandece o simbolismo da árvore que homenageia no campo de batalha a glória dos heróis, e no campo santo a saudade dos vivos pelos seus entes queridos.
O remate deste soneto relembra a perenidade da vida face à certeza da morte, sem deixar de iluminar a escuridão do Fim com a luz da Esperança, que há-de refulgir no dia da Ressurreição, abrindo princípio a uma diferente forma de existência.
Ouçamos então este belo soneto de Cândido Guerreiro, um louvor à esperança e uma perseverante afirmação da fé religiosa na redenção da vida humana.

O Cipreste

Eilo: milagre d’uma sepultura
Alevantou aos ares a folhagem
E é agora o Monarca da paisagem,
O Senhor da Montanha e da lonjura.

Aponta para o céu: nesta mensagem,
Nesta oração da terra para a altura,
Homens ou aves: é a mão segura
Que vos indica o rumo da viagem.

E a humana argila, abscôndita e defunta
Em pirâmide verde convertida,
Em verde chama enorme de lucerna,

Exclamação e súplica, pergunta:
- Quando serei eu luz n prometida
Ressurreição da Carne e Vida Eterna?



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