sábado, 30 de dezembro de 2017

MARTINS, Dr. António Pedro da Silva

Dr. António Pedro da Silva Martins

Poucos se lembrarão hoje deste médico, natural de Portimão, que alcançou grande prestígio em Lisboa, onde teve reputação de proficiente, bondoso e solidário com os desafortunados da vida. Chamaram-lhe, como aliás acontecia com muitos outros, “o médico dos pobres”, por exercer a clínica de forma graciosa e com a generosidade de ainda lhes oferecer os medicamentos. Era assim, de carácter pródigo e fraterno, a que acrescia uma personalidade afectuosa, cordial e filantrópica.
Tinha sempre uma palavra de conforto e, sobretudo, de esperança para com os seus doentes, que o procuravam de todo o país, atraídos pela sua fama de competência e bondade. Mas era também franco e leal, enérgico e decidido, quando precisava de tomar medidas urgentes, imprescindíveis e necessárias ao sucesso do seu múnus profissional. Na sua mente corria sempre o ideal de servir os fracos e os desprotegidos, e talvez por isso nem sempre fosse bem compreendido pelos seus pares. Aos jovens costumava dizer que a liberdade só podia alcançar-se através da educação, da perseverança e dedicação ao trabalho, isto é, da instrução académica e da competência profissional. E disso fez o seu lema de vida.
Nasceu em 1893, na então Vila Nova de Portimão, onde após a escolarização básica e secundária, transitou para o Liceu de Faro, em cuja cidade viveu e sentiu os conturbados tempos da implantação da República. Seguiu depois para a Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Medicina com distinção. Aí fixou residência e abriu depois consultório, na esquina da Rua do Salitre para a Praça da Brasil.
Ainda jovem aderiu ao Partido Republicano Português, filiando-se depois no Partido Democrático do Dr. Afonso Costa, cujas ideias e propostas políticas se coadunavam com o seu espírito humanista de democrata interventivo. Talvez pela sua refulgente inteligência ou pelo seu activismo social, tivesse o nome chegado aos ouvidos do Dr. Leonardo Coimbra, um homem do norte, franco e leal, enérgico e empreendedor, cujas ideias revolucionárias e notável sucesso como filósofo e literato, justificaram a sua ascensão para sobraçar, por duas vezes, em dois ministérios distintos, a pasta da Instrução Pública. O último dos elencos a que deu o seu contributo político, foi em 1923, no 37º governo da República (7-12-1922 a 15-11-1923), liderado pelo célebre António Maria da Silva, fundador da Carbonária e Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano. O honrado, mas efémero, ministro da Instrução, Leonardo Coimbra, chamou ao seu serviço, na qualidade de secretário particular, o jovem médico Dr. António Pedro da Silva Martins, que infelizmente não chegou a aquecer o lugar, por à imagem e semelhança da vida governativa republicana, não ter durado o seu ministério senão algumas semanas. Em todo o caso, daí terá nascido uma amizade que perdurou até à morte prematura daquele que foi um dos maiores intelectuais do século vinte. Lembro que da iniciativa de Leonardo Coimbra que surgiram as Escolas Primárias Superiores, destinadas à formação de professores; recordo que foi ele quem reformou a Biblioteca Nacional; quem fundou a Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde foi professor e director; quem congregou o cenáculo intelectual da «Nova Seara» e da «Renascença Portuguesa», cujo órgão literária «A Águia» seria das revistas de maior sucesso no seu tempo; lembro, por fim, que foi ele quem fundou as Universidades Populares, que por todo o país levaram as luzes da ilustração aos cidadãos anónimos da classe operária.
A amizade com Leonardo Coimbra fez com que Silva Martins aceitasse o seu convite para leccionar nas antigas Escolas Primárias Superiores, depois designadas como Escolas do Magistério Primário, mantendo-se ligado ao ensino, como médico escolar, até se reformar do funcionalismo público no Ministério da Educação.
Vila Nova de Portimão, zona portuária, em 1914
Nunca esqueceu a sua terra natal, onde vinha com frequência visitar familiares e passar férias na Rocha, sendo essa a razão por que aceitou dirigir o Hospital da Misericórdia de Portimão, durante alguns meses, creio que no início da década de cinquenta do século passado.
Na sua casa da Rua do Salitre, em Lisboa, recebia doentes a toda a hora, sem qualquer tipo de discriminação, social ou económica, sempre com aquele espírito de missão humanitária que os verdadeiros discípulos de Hipócrates sabem desenvolver em prol dos desafortunados.

Faleceu em Lisboa, no dia 27 de Outubro de 1952, com 59 anos de idade, deixando viúva Dª Adelaide Augusta Monteiro da Silva Saturnino Martins, senhora de preclaras qualidade morais que sempre muito de contristava com o facto de não lhe ter dado a felicidade da descendência. Era irmão do prestigiado comerciante em Portimão José Tadeu da Silva Martins, casado com Isabel Cabrita Tadeu Martins, e tio de Maria de Lurdes Tadeu de Almeida Henriques, casada com o Capitão João Afonso Henriques; de Maria José Tadeu de Almeida Figueiredo, casada com o Tenente Josefeth Monteiro de Figueiredo; e de António Pedro Tadeu de Almeida Martins, à época ainda aluno do Instituto Industrial de Lisboa.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Um belo soneto místico de Cândido Guerreiro


Entre os mais consagrados poetas do Algarve assume particular relevo a obra lírica de Cândido Guerreiro, cujo aspecto físico de místico ancião, com longas barbas brancas, conferiam-lhe o sagrado halo bíblico de um velho profeta. Ainda hoje respeitamos a sua memória, e lembramos com eterna saudade a sua inspiração de aedo latino, que cantou com invejável beleza a mensagem de Deus, a primazia do Amor e da Virtude, a suprema grandeza da Pátria, os desígnios do Homem e da Família, a hegemonia da Estética e a prevalência do Belo e da Perfeição, na figura tutelar da mulher e da mãe.
Cândido Guerreiro, aos 80 anos de idade
De todos são conhecidas as suas humildes origens, na serrenha aldeia de Alte, em cujas fontes bebeu muita da sua inspiração poética e do seu refulgente génio criativo, transmitido à luz da estampa nos mais belos sonetos de que se pode ufanar a lírica algarvia. A sua obra assenta na trindade lírica do Amor, como valor supremo da existência humana, na transfiguração da vida através do mistério da Morte, e na eternidade de Deus. Não houve na nossa poética contemporânea um emitente da palavra divina com tão genial inspiração como Cândido Guerreiro, sem todavia cair na singeleza lamechas do beato que faz da poesia uma espécie de oração hipócrita do fanático devoto. Não, o poeta Cândido Guerreiro nunca teve uma postura cívica que se pudesse dizer comprometida com a religião ou com a Igreja. No dealbar da República chegou mesmo a protagonizar rebarbativas polémicas e a sustentar infelizes diatribes com o clero louletano. Foram episódios desagradáveis que encheram as colunas dos periódicos da época, e dos quais julgo que nenhuma das partes saiu incólume. O próprio poeta a eles se haveria de referir, mais tarde, como arrebatamentos do espírito republicano – excessos que o tempo justificava, mas que com o avançar da idade lhe suscitavam um certo constrangimento, a par de um intrínseco arrependimento.
Cândido Guerreiro foi um fecundo e vibrante idealista que amava a Liberdade, julgando nela personificados os supremos ideais da República. Enganou-se, ou melhor, foi vítima das circunstâncias da vida e do tempo, que transformaram as quimeras da República numa panaceia infundida no embuste e na ilusão.
Apesar da sua liberalidade política, e do seu republicanismo ideológico, Cândido Guerreiro foi, acima de tudo, um poeta, que deixava transparecer nos seus versos a personalidade de um homem crente, pleno de fé e de espírito religioso. Os sonetos de Cândido Guerreiro, na sua pluridiversidade temática, exaltam o Amor, a Mulher, o Algarve, Deus, e a Morte. Todavia, a maioria dos seus belos sonetos evidenciam um profundo misticismo, um indisfarçável espírito religioso. A figura imaculada da mulher, a divindade feminina e a Virgem Maria, são uma contante presença nos seus versos. O mesmo acontece nos poemas dirigidos à divina corte do reino dos céus, que glorifica a hagiografia da fé católica, com magistrais sonetos, que poderiam considerar-se orações religiosas, para honra e graça dos nossos santos mais populares, como Stº António, S. Vicente, S. Tomás de Aquino, S. Lourenço, S. Tiago ou até mesmo a nossa Rainha Santa Isabel, de tão grata memória para os pobres e desvalidos.
É nesse espírito místico, religioso, crente e devoto que se inscreve este soneto, «O Cipreste», oferecido pela mão do próprio poeta ao seu amigo Dr. Amadeu Fereira d’Almeida, embaixador, escritor, colecionador de arte e mecenas das letras pátrias, no qual resplandece o simbolismo da árvore que homenageia no campo de batalha a glória dos heróis, e no campo santo a saudade dos vivos pelos seus entes queridos.
O remate deste soneto relembra a perenidade da vida face à certeza da morte, sem deixar de iluminar a escuridão do Fim com a luz da Esperança, que há-de refulgir no dia da Ressurreição, abrindo princípio a uma diferente forma de existência.
Ouçamos então este belo soneto de Cândido Guerreiro, um louvor à esperança e uma perseverante afirmação da fé religiosa na redenção da vida humana.

O Cipreste

Eilo: milagre d’uma sepultura
Alevantou aos ares a folhagem
E é agora o Monarca da paisagem,
O Senhor da Montanha e da lonjura.

Aponta para o céu: nesta mensagem,
Nesta oração da terra para a altura,
Homens ou aves: é a mão segura
Que vos indica o rumo da viagem.

E a humana argila, abscôndita e defunta
Em pirâmide verde convertida,
Em verde chama enorme de lucerna,

Exclamação e súplica, pergunta:
- Quando serei eu luz n prometida
Ressurreição da Carne e Vida Eterna?



quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

CRUZ, José Nunes da

Ambulância dos Bombeiros da Cruz Lusa de Faro
Funcionário da Junta Autónoma das Estradas, natural de Lisboa, faleceu a 10-5-1953, em Faro, com 69 anos de idade.
Veio para o Algarve no exercício do seu múnus profissional e fixou residência em Faro por volta de 1923, tornando-se num cidadão muito apreciado pelas suas qualidades de trabalho e igualmente respeitado pela sua nobreza de carácter, lhaneza de trato e esmerada educação.
Muito preocupado com as questões de solidariedade social, fundou a Associação dos Bombeiros Voluntários da Cruz Lusa, da qual foi durante largos anos esforçado comandante, sacrificando em benefício dos outros a sua disponibilidade e muitos dos seus bens.
Em reconhecimento da sua dedicação ao bem comum a edilidade farense atribuiu o seu nome a uma das artérias da cidade.
Carro da Escada Magirus dos Bombeiros de Faro
Foi casado com D. Maria Luísa Correia Nunes da Cruz, de quem teve cinco filhos: Maria José Correia Nunes da Cruz Seruca, casada com Lister Morgado Seruca, que foi um dedicado funcionário da CUF, então residente no Barreiro; Maria Luísa Correia Nunes da Cruz de Castro, casada com Fernando Marques de Castro, secretário da circunscrição do Chinde, na antiga província do Zambeze em Moçambique, depois transferido para a cidade do Porto; e Carolina Correia Nunes da Cruz, António Correia Nunes da Cruz, ambos alunos do Liceu de Faro, e José Correia Nunes da Cruz, à época aluno do Instituto Superior Técnico.
Ao seu funeral compareceram representantes das principais corporações de Bombeiros do país, ficando o féretro de José Nunes da Cruz depositado no talhão dos Soldados da Paz no Cemitério da Esperança, em Faro.