domingo, 30 de abril de 2017

Frei António de Moncarapacho

Iluminura das Cantigas de Santa Maria
da autoria de Afonso X, o Sábio
Pelo nome presumo que este frade seria natural da aldeia de Moncarapacho. Não tenho a certeza da ordem a que pertencia, mas certamente era Franciscano da Província da Piedade, como acontecia à maioria dos religiosos provenientes das terras meridionais, isto é, situadas para além do rio Tejo. Já agora esclareço que a Ordem dos Frades Menores, também conhecida por Ordem de S. Francisco, ou simplesmente dos Franciscanos, foi fundada em 1209, em Assis, Itália, introduzindo-se em Portugal pouco depois, tendo como principal conversão a do nosso mais famoso taumaturgo Santo António de Lisboa. Em 1427 foi criada a Província de Portugal da Ordem Franciscana, mas daí até à sua extinção em 1834 passou por diversas cisões e dissidências, dispersando-se os seus milhares de religiosos em conventos e conventinhos espalhados por todo o país.
Mas tudo isto vinha a propósito de Frei António de Moncarapacho cuja existência ressaltou ao meu conhecimento através de uma notícia inserta na «Gazeta de Lisboa», onde consta que no dia 28 de Dezembro de 1828 o Corpo de Voluntários Realistas da Vila de Moura (comarca de Beja), em conjugação com a Câmara mandaram cantar um Te Deum na Igreja Matriz “em acção de Graças ao Todo Poderoso pelo grande benefício que a sua prodigiosa mão liberalizou á nação portugueza pelas completas melhoras de Sua Magestade”, tendo o padre Frei António de Moncarapacho nessa altura proferido um “elegante discurso”.(1)
Esta «acção de Graças pelas melhoras de Sua Magestade» respeita ao acidente que o Rei D. Miguel teve no dia 9 de Novembro de 1828, quando a galope num trem puxado por uma parelha de cavalos malhados caiu por uma ribanceira abaixo tendo uma das rodas passado por cima das pernas, de que resultou uma perigosa fractura. Diz-se que foi por esse facto que a partir de então os liberais, considerados como os principais inimigos do Trono e do Altar, passaram a ter o epíteto de "malhados". O país cobriu-se de pesar e de lamento pelo sucedido, a tal ponto que se fizeram novenas e promessas aos santos e oragos de maior devoção popular. A Igreja da Senhora da Rocha, na freguesia de Carnaxide, actual concelho de Oeiras, tinha fama de grandes milagres, razão pela qual o Rei com suas irmãs ali se dirigiu, em romaria popular. Diz-se que com fé e humildade implorou à Virgem uma cura rápida, o que de facto aconteceu. Por causa disso, o culto da S.ª da Rocha cresceu exponencialmente, tornando-se num símbolo do absolutismo. As modinhas do «Rei chegou» passaram a concluir-se na seguinte quadra:
Altar barroco de S.Francisco d'Assis
 na Igreja de que é patrono em Faro.
                               
                                D. Miguel é bonito,
                                É bonito e bem feito.
                               Quebrou as pernas,
                               Ficou sem defeito.

No Algarve até 1834, quando o primeiro governo liberal, pela mão do ministro Joaquim António Aguiar – que por isso ganhou o epíteto de “mata-frades – promulgou a lei da extinção dos conventos e das ordens religiosas, existiam nesta região dezasseis conventos e casas religiosas da Ordem Franciscana. Já agora acrescento que se distribuíam do seguinte modo: dois eram de frades Claustrais, estabelecidos em Tavira e Loulé; três eram de frades Observantes, em Tavira, Faro e Lagoa; sete eram de frades da “Mais Estrita Observância”, que se dispersavam desde o Cabo de São Vicente até Tavira; dois eram conventos femininos, um de Santa Clara, em Faro, e outro de freiras Concepcionistas Franciscanas em Loulé; por fim, há que registar ainda dois conventos do terceiro ramo da Ordem Franciscana, em Silves e em Monchique, que se dedicavam à instrução feminina. Foi aliás deste último que vieram as religiosas que tomaram conta, já no séc. XX, do Colégio de St.º António do Alto, em Faro, que ainda existe.
Resta-me acrescentar que sobre o Frei António de Moncarapacho nada mais conheço. Presumo que como miguelista deve ter sido alvo de perseguições políticas após a Convenção de Évora Monte. Talvez tenha então recolhido à protecção de alguma família de posses, ficando ignorado numa qualquer herdade desse imenso Alentejo.
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(1) [«Gazeta de Lisboa», nº 2, de 2-1-1829, p. 8.]. 

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Efemérides algarvias – dia 22 Abril


José Dias Sancho, escritor, e poeta
1898 – Nasce em São Brás de Alportel, freguesia do concelho de Faro, o escritor José Dias Sancho, um dos mais polémicos e geniais da década de vinte, no século passado, por ter visado com fortes críticas as consagradas obras de Júlio Dantas e de Albino Forjaz de Sampaio, na época verdadeiros príncipes da literatura portuguesa. Nos dois volumes da obra «Ídolos de Barro», amesquinha de forma injusta e desleal aqueles geniais literatos, numa estratégia cobarde e soez, muito comum entre os jovens, que por não serem conhecidos pretendiam concitar a atenção do público, dizendo mal dos escritores mais famosos do seu tempo. Essa estratégia resultou apenas em descrédito da sua própria obra, que não chegou longe, em parte porque não houve tempo para amadurecer, crescer e convencer a crítica. Com efeito, a vida de José Dias Sancho cessaria pouco depois, de forma abrupta e inesperada, ainda na flor da juventude. Um desfecho cruel para uma vida que se adivinhava plena de realizações e de sucesso. Acerca deste escritor sambrasense leia-se o capítulo correspondente à evocação da sua vida e obra no meu livro, Confidências e Revelações de Mário Lyster Franco, pp. 153-159.
José Joaquim Coelho de Carvalho
1911 – Estreia-se no Teatro Nacional a peça «A infelicidade Legal» do famoso escritor Coelho de Carvalho. Nascido em 1855, na cidade de Tavira, Joaquim José Coelho de Carvalho Júnior, foi uma das figuras mais ilustres da cultura e da política do seu tempo. Da sua vasta biografia destaco o facto de ter sido reitor da Universidade de Coimbra (1919-21), Presidente da Academia das Ciências, Cônsul de Portugal no Brasil, em Xangai, China, e aqui ao lado, em Huelva, na vizinha Andaluzia, que ele tanto amava. Foi também dramaturgo, poeta, escritor, cronista…, enfim uma infinidade de actividades de que não existe hoje nenhuma figura, no Algarve, que se lhe possa comparar. O mapa de Angola, na zona nordeste, é todo da sua autoria, cuja realização prática quase suscitou uma guerra da França e da Bélgica contra Portugal, porque o nosso Coelho de Carvalho fartou-se de lhes roubar território colonial… de uma forma legal. Morreu quase octogenário, em 18-07-1934, na sua residência, que constituía o edifício histórico do Forte de São João do Arade, em Ferragudo, por ele arrematado em hasta pública ao Ministério da Marinha. Anos antes, ainda na vigência da República, o velho "Castelão do Arade", como poeticamente o tratavam os amigos e admiradores, foi preso sob a acusação, real e verdadeira, de ter sido o autor material e o instigador político de uma revolução, realizada de forma pacífica e sem derramamento de sangue, através do «Diário da República»!!! O elenco político, nomeado e oficialmente publicado no órgão oficial do regime, ficou conhecido como o "governo dos poetas", a que alguns jornalistas bem humorados chamaram "ministros do reumático".

1980 – Fundou-se a Associação de Voleibol de Faro, modalidade que até então era quase em exclusivo da responsabilidade do desporto escolar, cuja orientação e prática competitiva dependeu durante muitos anos da antiga «Mocidade Portuguesa».

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Efemérides algarvias – dia 21 Abril


Gravura antiga, presumo que do sec. XVII ou
XVIII, representando a antiga cidade de Tavira
1539 – O rei D. João II, anuindo a um requerimento do povo de Tavira, proibiu os alcaides-mores de fazerem parte da governação daquela cidade, isto é da vereação ou de qualquer outro cargo autárquico. Determinava também que se elegessem dois representantes, dos mesteres (artesãos e comerciantes) ou dos mecânicos (mareantes, pescadores, oleiros, ferreiros, etc), para fazerem parte da vereação. O ojectivo era evitar a concentração do poder externo, dando representação às actividades económicas locais. Os produtores manuais e mecânicos representavam a burguesia tavirense, rivalizavam com os “ricos homens” ou “homens bons”, proprietários rurais e urbanos que desempenhavam normalmente a administração pública. O facto de serem sempre os mesmos, acabaria por dar origem à fidalguia dos concelhos, que era o nível mais baixo da nobreza. 
Rótulo turístico, para colar nas malas de viagem,
oferecido pelo Hotel Aliança, de Faro, aos seus clientes
1653 – A Rainha D.ª Luísa de Gusmão fez mercê da alcaidaria-mor da vila do Alvor (antigo concelho extinto por Pombal e suprimido por Passos Manuel, em 1836), ao Conde de Odemira, D. Francisco de Faro (apelido e não naturalidade). O interesse desta alcaidaria estava nas suas pingues salinas, cuja produção se escoava em grande parte na transformação do pescado das armações do atum e das xávegas da sardinha. Estas salinas foram tão cobiçadas que chegaram às mãos dos Távoras, recaindo depois na posse da coroa, pelas razões sobejamente conhecidas.
1894 – Morre em Faro o Barão das Pontes de Marxil. Já escrevi detalhadamente sobre ele no meu livro sobre a «História do Teatro Lethes». Não obstante, deixo aqui alguns elementos biográficos. 
Frontaria do Café Aliança, de Faro, estilo neo-clássico
Quando o Ministro do Reino (primeiro-ministro nos tempos modernos) Fontes Pereira de Mello, visitou o Algarve em 1874, agraciou como de costume as figuras que mais se distinguiram no desenvolvimento local por acções de benemerência e filantropia. Um deles, Francisco Pedro da Silva Soares, construiu à sua custa uma pequena ponte férrea, na sua propriedade do Marxil, para dar passagem à linha do caminho-de-ferro. O benefício público justificou a outorga do título de Barão da Ponte de Marxil. Este Francisco Soares, nascido em Faro em 1830, dedicou-se ao comércio acumulando avultados meios de fortuna que distribuiu em acções de altruísmo, nomeadamente através da fundação do Asilo da Infância Desvalida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, para o sexo feminino, e o já desaparecido Teatro 1º de Dezembro, que ficava ali na esquina da Rua Rebelo da Silva, onde está hoje uma sapataria, e esteve até há pouco tempo, no 1º andar, a sede da Companhia de Pescarias do Algarve. Além de comerciante foi também vereador da Câmara de Faro, e procurador à Junta Geral do Distrito. Quando em 1850 o Algarve sofreu uma seca severa, suscitando uma fome generalizada, como todos os flagelos que isso comporta, Francisco Soares instituiu a suas expensas um sopa dos pobres, que durou mais de um ano. Politicamente seguiu o Partido Regenerador, promovendo e patrocinando várias festas locais, nomeadamente a visita do grande Fontes Pereira de Mello ao Algarve. 
Decoração interior do Café Aliança, com fotos e caricaturas
de grandes vultos da cultura algarvia frequentadores do Café
Teve distintos e notáveis descendentes, nomeadamente José Pedro da Silva, um dos impulsionadores do turismo na cidade de Faro, proprietário dos estabelecimentos «Aliança», café, mercearia e hotel (que depois tomos o nome de Hotel Faro). A sua neta, Maria Isabel Pacheco Soares, foi uma notável pianista e senhora de grande cultura, que muito enobreceu o Algarve. Para terminar, acrescento que os Barões da Ponte de Marxil estão sepultados, em túmulo perpétuo, no cemitério privado da Ordem do Carmo, em Faro. Também ali se encontra sepultada sua mãe, Clara Maria dos Anjos Soares, nascida a 10-1-1793, e falecida a 9-8-1877, e seu irmão, António Francisco da Silva Soares, falecido em 17-9-1889.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Efemérides algarvias de 20 de Abril


Desenho de Luís Santos, com base em gravura antiga de Faro
1749 - Ocorreram em Faro violentos distúrbios da ordem pública que culminaram com o apedrejamento e quebra das vidraças do edifício do Paço Episcopal, pronunciando-se insultos e abjectas ofensas contra o Bispo da diocese farense, Frei Ignacio de Sancta Thereza (1741-1751). A razão dos tumultos prende-se com a vida privada do antístite, cujo escândalo suscitaria o seu afastamento da diocese. No seguimento dessa polémica, e com o advento do consulado pombalino, a diocese algarvia ficaria repartida em duas (Faro e Portimão), cujos prelados, recrutados ao corpo docente da universidade de Coimbra, nunca chegariam a tomar assento episcopal. Acresce dizer que o Frei Inácio, bispo do Algarve, faleceu em Faro a 15-04-1751, encontrando-se sepultado na cripta da Sé.
Jaime Pádua Franco

Caricatura de Júlio Dantas

1938 - Morre na Praia da Rocha um dos vultos fundacionais do turismo em Portugal, Jaime de Pádua Franco (1868-1938), a quem a propaganda de Portugal no estrangeiro ficaria devendo os mais assinalados serviços. Como algarvio e grande amigo de Tomás Cabreira, deve-se-lhe o financiamento e organização do I Congresso Regional Algarvio, realizado na Praia da Rocha, em Portimão, sua terra-natal, nos primeiros dias de Setembro de 1915.

1946 – Estreia-se em Lisboa, no Teatro Nacional, a célebre peça «Antígona», da autoria o escritor algarvio Júlio Dantas, baseada na homónima de Sófocles, referência incontornável da dramaturgia clássica grega.