segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Caetano Feu, impulsionador da indústria conserveira em Portimão

 
A indústria conserveira no Algarve nasceu pela mão de empresários estrangeiros, sendo certo que todos originários da bacia mediterrânica, onde desde a colonização cartaginesa se fazia a captura e transformação industrial do atum. Depois dos gregos e dos italianos terem aportado à raia do Guadiana, nas últimas décadas do séc. XIX, para investirem nas primeiras fábricas de conservas da sardinha e do atum, eis que surgem os andaluzes a buscarem o seu espaço industrial no Algarve. Fixaram-se primeiro também em Vila Real de Santo António, mas quando o mercado laboral estava já escasso e com falta de oferta especializada, viraram-se para os restantes portos algarvios, desde Tavira até Lagos. Duas localidades se distinguiram estão, nessa segunda leva de grande investimento industrial conserveiro, em grande parte justificada pelo surgimento da I Guerra Mundial - foram elas Olhão e Portimão, sendo certo que nesta última se distinguiu a família Feu, que ainda hoje perdura e se distingue naquela cidade pelo seu espírito criativo e empreendedor.
Antiga fábrica de conservas dos Irmãos Feu
Trago hoje à memória a figura desse notável empresário espanhol da indústria de conservas, e benemérito local, D. Cayetano Feu Marchena, descendente de importante família andaluza, nascido em Ayamonte, a 2-8-1882, e falecido em Lisboa, a 2-7-1946.
Dedicou-se ainda jovem ao negócio conserveiro, vindo para Vila Nova de Portimão experimentar a sua sorte, no que em boa verdade foi bem sucedido. Investiu na aldeia da Mexilhoeira da Carregação, trabalhando afincadamente no estabelecimento de pequenas unidades fabris de conservação do pescado. Conseguiu, mercê do seu denodado esforço, dedicação e inteligência, fundar várias fábricas, que em breve seriam consideradas das melhores do país. Os seus operários foram sempre tratados como seus familiares, o que aumentava significativamente o sacrifício e a dedicação de todos para o caminho do sucesso. Em retribuição desse esforço comum, D. Cayetano Feu retribuiu-lhes com a construção do Bairro Operário de Portimão, na altura considerado como um modelo de qualidade e conforto no estilo da habitação fabril. Esse bairro passou depois para a posse do Grémio dos Industriais de conservas de Peixe, sendo concluído e aumentado com a comparticipação financeira do Estado. Nas suas fábricas, construiu para o bem estar dos operários, modernas cantinas e creches, instituindo ainda subsídios na doença, reformas e pensões vitalícias para os trabalhadores mais antigos. Isto é, quando o Estado ainda não havia imposto aos empresários o acautelamento de meios de sobrevivência para os trabalhadores, já D. Cayetano Feu procedia dessa maneira com os seus operários, num espírito de filantropia e de benemerência sem precedentes.

Cayetano Feu, com as insígnias de comendador
Em 1936 naturalizou-se português, facto celebrado com um magnífico banquete servido nas caldas de Monchique aos seus familiares, numerosos amigos e principais trabalhadores. Isto atesta claramente a sua vontade de ser português e a sua convicção de servir o país que o acolheu sem reservas. Aliás, já havia servido o nosso país nos meses que se seguiram à desastrosa batalha de La Lys, o famoso e supostamente glorioso 9 de Abril que o nosso governo transformou numa vitória militar, alcançada nas fétidas trincheiras da Flandres. Nessa altura, D. Cayetano Feu, intercedeu junto das autoridades germânicas para prestar auxílio, com os seus próprios meios, aos soldados portugueses internados nos campos de prisioneiros na Alemanha. Forneceu-lhes roupas, agasalhos e alimentos, importados do nosso Algarve. Esse foi um gesto de grande dedicação que jamais poderá ser ofuscado ou esquecido nos tempos presentes.
Para além disso foi um convicto nacionalista, amigo pessoal de Salazar, que muito admirava e elogiava como um modelo de político de visão internacional. Aliás, na sua casa, na Praia da Rocha ou em Lisboa, recebeu por mais de uma vez o Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar, como hóspede e comensal. Dessa amizade existiam fotografias, cartas e até livros oferecidos por Salazar, o que atesta bem a sólida, franca e mútua admiração que existia entre ambos. Não havia nessa convivência outros interesses que não os do país e os da identidade de pensamento político. À distância actual, nada disso deve ser merecedor de crítica ou de malsinação.
Quando deflagrou a guerra civil de Espanha foi um dos maiores apoiantes da causa franquista, fornecendo aos nacionalistas não só apoio financeiro como também víveres, sobretudo conservas das suas fábricas. Também na sua residência em Portimão recebeu alguns dos principais políticos e militares do movimento nacionalista que na Andaluzia suportava os interesses da Falange do general Franco.
O Algarve foi outra das suas paixões, muito especialmente a Praia da Rocha, onde construíra uma magnífica vivenda, por onde passaram as mais proeminentes figuras da vida política e financeira do nosso país. Na Paia da Rocha passava aliás a maior parte do ano, ali promovendo diversas iniciativas de carácter cultural e até de fomento turístico, que muito beneficiaram o município portimonense. Também nas Caldas de Monchique, em cujos arredores construíra uma bela vivenda, se dedicou ao desenvolvimento das suas naturais potencialidades turísticas, tendo inclusive assumido a vice-presidência da Comissão Administrativa daquele concelho.
Figura de primeira grandeza na sociedade algarvia do seu tempo, gentil e nobre, quer no trato quer no procedimento social, sempre disponível para apoiar financeiramente e colaborar pessoalmente nas iniciativas de promoção e desenvolvimento local, quer fossem de ordem turística, cultural, social ou política. Nunca virava a cara a quem dele se abeirasse na expectativa de um auxílio, de um emprego ou de simples apoio nominal, pois que o seu nome era sinónimo de abertura de muitas portas.

Cayetano Feu na fase derradeira da vida
Quando faleceu, o Algarve sentiu o seu desaparecimento como uma perda irreparável, uma referência insubstituível e sem paralelo. A própria indústria conserveira foi-se alterando, perdendo força e desactivando-se várias unidades fabris em toda a região, inclusivamente as dos seus herdeiros, que ainda assim mantiveram até à actualidade o bom nome e o insofismável prestígio da família Feu.
Importa esclarecer que a empresa conserveira, fundada pelos irmãos, António, o mais velho, e Cayetano, chamava-se Feu Hermanos, a qual seguiu a tradição da família, pois cada geração recriava uma nova empresa conserveira, mantendo o mesmo nome, como aliás já tinha acontecido com o seu pai, Manuel, e com seu tio, António Feu Casanova,  em Ayamonte, onde primeiramente existiu a Feu Hermanos.
Para terminar, devemos acrescentar que foi casado duas vezes. O primeiro matrimónio celebrou-se em Ayamonte, a 3-1-1906, com Luicia Martin Mora, de quemteve uma filha, Lucia Feu Martin, que haveria de casar-se com Pascual Cucala Pruñunosa, de quem houve aliás numerosa descendência em Espanha. Mais tarde, Cayetano Feu viria a consorciar-se, em segundas-núpcias, com uma dama alemã, Johanna Wolfman Lüders, natural da cidade de Hamburgo na Alemanha. Deste matrimónio nasceram duas filhas Maria del Carmen Wolkman Feu Telo e Maria Luiza Wolkman Feu Leote, ambas residentes em Portimão e com conceituada descendência no Algarve e no país. Era tio de António e Ernesto Feu Marchena, que em Portimão lhe sucederam na gerência e administração das importantes unidades fabris ali instaladas.
A Junta de Freguesia da Mexilhoeira da Carregação, em meados de Julho de 1946, e em sinal de gratidão, aprovou a atribuição do seu nome a uma das ruas daquela aldeia, muito protegida e acarinhada por D. Cayetano Feu. Posteriormente foram-lhe atribuídas mais duas ruas: uma na Praia da Rocha e outra na sua cidade natal de Ayamonte.
Em 7-8-1951 foram os seus restos mortais trasladados do Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, para o jazigo de família no Cemitério de Portimão.
 

Laboratório Farmacológico, fundado por um portimonense


Assistimos hoje a tempos tão dificéis que até os farmacêuticos, proprietários e industriais do ramo, se vêem na contingência de protestar publicamente contra as medidas de austeridades do governo, que paulatinamente têm levado o nosso país para o abismo da insolvência generalisada, quer das famílias, do comércio, da indústria e até dos serviços. Creio que verdadeiramente quem não está a sofrer na pele as agruras do desemprego nem da falência, são os políticos que de forma despudorada e impune têm roubado os fracos, os desprotegidos e os desafortunados - numa palavra, o povo.
Desta última manifestação pública, realizada a 13 de Outubro, em Lisboa, ressaltou aos olhos do público e da informação em geral a marcha de protesto dos farmacêuticos, no seio da qual tive a oportunidade de vislumbrar a presença de alguns amigos e conhecidos, que merecem o meu maior respeito e admiração pela sua coragem e frontalidade.
Porém, tudo isso me fez ressaltar à memória a figura de um notável algarvio, de que certamente já poucos se lembram, mas que por ter sido um dos primordiais obreiros da indústria farmacêutica, merece ser aqui relembrado, em preito de singela homenagem. Refiro-me a José Joaquim da Costa Fernandes, farmacêutico e industrial de Farmácia, que nasceu em Vila Nova de Portimão, e faleceu em Lisboa, a 5-2-1939.
Na sua especialidade era considerado como uma incontornável autoridade, devido aos seus conhecimentos científicos e à sua experiência profissional, sendo inclusivamente responsável pela criação de novas pomadas, unguentos e pílulas, no tempo em que a indústria farmacológica era ainda incipiente e dependia em muito da inteligência e da curiosidade científica dos próprios farmacêuticos.
Fundou em 1916, com o seu comprovinciano e amigo, cor. João Correia dos Santos, o Laboratório Farmacológico, situado na Rua Alves Correia em Lisboa, que teve a fama e o prestígio de ser dos melhores do país, para além de que foi um dos primeiros a ter um sentido industrial, abastecendo a maioria das farmácias espalhadas pelo país. Aliás, no decorrer dos anos foi o «Laboratório Farmacológico» considerado o melhor do país rivalizando inclusivamente com os seus congéneres europeus.
Depois da morte de José da Costa Fernandes perdeu o Laboratório, que fundara com tanto sacrifício, o seu principal obreiro, e o país perdeu também um dos maiores vultos da indústria farmacêutica.  Ao seu sócio e amigo, cor. Correia os Santos faltava-lhe o espírito empresarial, revelando-se um estudioso profícuo, grande intelectual e colaborador assíduo da imprensa, nomeadamente do Algarve.
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Viagens régias ao Algarve


Desde a conquista do Algarve, e sua definitiva integração no espaço nacional em 1252, até à proclamação da República em 1910, apenas alguns dos nosso monarcas se deram ao trabalho de visitar este extremo sul do território pátrio. Isto comprova, em certa medida, o pouco apreço em que o centro sempre teve a periferia. Para Lisboa o Algarve nunca teve qualquer importância, a não ser pelo exotismo da sua cultura e da sua diversidade ambiental, como se fosse uma espécie de reentrância da África adentro da Europa. Daí que praticamente nunca se tivesse investido na região, mormente através de grandes obras públicas, o que, áparte um ou outro melhoramento operado no tempo de Duarte Pacheco, só na década de sessenta do século passado, após a descoberta das suas potencialidades turísticas, é que o Algarve começou a ser conhecido e visitado, não só pelos turistas nacionais e estrangeiros, como ainda pelas entidades governamentais.
Assim, desde o séc. XII até à queda da monarquia, o Algarve raramente foi distinguido com uma visita régia, sabendo-se o quanto esse gesto dignificava e honrava os povos e as terras que recebiam a comitiva real.  Apenas os reis D. Sancho I, D. Afonso III, D. João I, D. Afonso V, D. João II, D. Manuel I, D. Sebastião e D. Carlos I, tiveram a sensatez de honrar o Algarve com a sua presença.
O rei D. Sancho I chegou ao Algarve em 11-7-1218, e em Setembro, após prolongado cerco, logrou conquistar a cidade. Após distribuir o saque pelos Cruzados que o ajudaram a conquistar a cidade, nomeou as novas autoridades e partiu para Lisboa.
D. Afonso III veio ao Algarve pelas mesmas razões, continuar a conquista do Algarve; chegou a Faro na primavera de 1249 e após a tomada da cidade, sem derramar sangue, decidiu partir envolto em lendas de paixão.
D. João I chegou a Lagos em 26-7-1415, aquando da conquista de Ceuta.
D. Afonso V chegou a Sagres em 3-9-1458, e de Lagos partiu para Alcácer Ceguer. Em 9-11-1463 voltou a Lagos para atacar de novo a África. Em 1471 voltou pela terceira vez a Lagos, na sua última tentativa para conquistar o Norte de África.
D. Manuel I em Agosto de 1508 veio a Tavira onde reuniu um exército para ir em socorro da praça de Arzila.
D. Sebastião veio ao Algarve numa demorada viagem por terras do interior alentejano, marcada com gestos de pompa e circuntância. Chegou igualmente para Tavira, onde reuniu as suas forças militares, e partiu em Setembro de 1574 para Ceuta de seguiria para o desastre de Alcácer-Quibir.
D. João II veio também para Tavira, onde chegou a residir para tratar dos seus achaques nas águas de São Paulo. Mas por falta de resultados mais positivos partiu para Monhique, onde não conseguiu debelar os sintomas de envenenamento de que vinha sendo vítima. Acabaria por falecer em Alvor, onde parece que tentou novo tratamento de águas. Ficou sepultado em Silves, até que foi trasladado em longo cortejo fúnebre para o Mosteiro da Batalha. Foi este o rei que mais tempo permaneceu no Algarve.
O último rei a visitar o Algarve foi D. Carlos I, que embora por várias vezes aqui tivesse vindo de forma particular, só uma o fez de forma oficial, decorrendo essa visita de 9 a 14 de Outubro de 1897.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Algarvios, povoadores de outras terras

 
Já aqui me referi ao subido interesse e insofismável importância histórica e socioantropológica da Toponímia. Na maioria dos casos os topónimos adoptam a designação dos acidentes naturais que lhes estão adstritos (portos, cabos, montes, rios, minas), noutros casos adoptam o nome de animais (zoónimos), de plantas (fitónimos) e até de rochas, mas na generalidade eternizam o nome do seu fundador (antropónimos), do povo colonizador e até dos seus conquistadores. Existem cidades e vilas, tanto no nosso país como no Brasil e restantes ex-colónias, cujas designações comprovam as suas origens naturais e as suas origens históricas confirmadas na toponímia, como por exemplo Porto, Portalegre, Porto de Mós, Porto Alegre, Cabo Verde, Cabo Frio, Monte Alegre, Monte Carmelo, Minas Gerais, Rio Grande, Rio de Janeiro, etc.. 
No Algarve existem sítios e aldeias cuja toponímia certifica exactamente as mesmas origens naturais, como Porto do Carro (Estoi, Faro), Porto Largo (Monchique), Porto Nobre (Querença, Loulé); mas também Monte Gordo (Vila Real Stº António), Monte Clérigo (Aljezur), Monte das Sarnadas (Alte, Loulé), para além de muitos outros.

Instituto Superior Técnico, grandiosa obra de Duarte Pacheco
Mas não eram as origens naturais, físicas ou históricas dos topónimos que designam as localidades a razão principal deste breve apontamento. É que ao contrário do que se pensa ocorreram ao longo dos séculos necessidades de povoamento - aquilo a que poderiamos chamar colonização interna - que exigiram dos governantes e outras autoridades o uso de medidas enérgicas e urgentes para obstar ao despovoamento. Nalguns casos atraíam-se os povoadores com propostas de trabalho e de melhores salários, noutras com isenções e privilégios (isenção de recrutamento militar, não pagamento de impostos) e noutras com reaquisição dos direitos de liberdade controlada (transferência de presos e condenados para os castelos raianos, para os coutos de homiziados e para as colónias).

Bairro social da Ajuda, notável obra de Duarte Pacheco
Mas casos houve em que o povoamento se fez duma forma quase forçada, imposta ou sem hipóteses de recusa, principalmente nas terras do sul. Ainda não há muitos anos que o ministro Duarte Pacheco, para dar satisfação a grandes obras públicas de desenvolvimento nacional, como barragens, estradas, etc., arrebanhava mão de obra no Alentejo e Algarve, de uma forma quase forçada e algo atrabiliária. Não vamos agora falar disso, mas todos sabemos que muitas centenas, senão milhares, de alentejanos e algarvios foram deslocalizados das suas terras de origem para irem construir em Lisboa diversas obras públicas, como foram os casos do Estádio Nacional, Parque de Monsanto, Alameda, Instituto Superior Técnico, pontes e estradas diversas, resultando disso a sua fixação em acampamentos e "bairros de lata", erigidos a esmo nas colinas e zonas limítrofes da capital, para só mais tarde serem definitivamente realojados nos novos bairrros sociais de Alcantara, da Ajuda, do Arco do Cego, de Monsanto, etc.
Tudo isto para dizer que ao contrário do que era comum e até previzível no povoamento do território nacional, houve casos em que a origem dos seus primeiros povoadores deu o nome ao sítio ou ao local onde se fixaram, como aconteceu por exemplo no sítio dos Parizes, no concelho de São Brás de Alportel, que foi povoado por franceses que desertaram das tropas napoleónicas quando daqui foram rechassados em 1808. O mesmo aconteceu com o sítio dos franceses, na serra do Cachopo, concelho de Tavira.
Todavia, houve também casos de povoamento interno feito por algarvios, que não sabemos se foi realizado de forma pacífica e concertada, ou se foi operado de forma forçada pelas autoridades do tempo. Não sabemos inclusivamente a que época remontam, mas devem ter sido operados há alguns séculos atrás os dois casos que conheço de transferência de algarvios para efeitos de povoamento. São ambos no concelho de Alcácer do Sal e dizem respeito à pequena "Aldeia dos Algarvios", que nos anos quarenta do século passado tinha 26 fogos, e o "Monte dos Algarvios" que tinha apenas 4 fogos. Sei também que naquela cidade, implantada à beira Sado, existe uma «Rua dos Algarvios», o que é uma bonita homenagem aos que daqui partiram e não mais voltaram.
 

domingo, 7 de outubro de 2012

Deputados do Algarve em 1826-1828

 
No início do período cartista foram eleitos pelo Algarve, para a legislatura de 1826-1828, os seguintes deputados:
André Urbano Xavier da Fonseca;
António José de Lima Leitão;
José António Ferreira Braklamy;
Manoel Christovão de Mascarenhas Figueiredo (este preso como miguelista e só tomou posse do cargo a 29-3-1827);
Rodrigo de Sousa Castelo Branco.
 
Quando "o Rei chegou, e na barraca não entrou" (como dizia a módinha de então), o parlamento foi destituído, e muitos destes deputados foram presos, à excepção do Mascarenhas Figueiredo. Os que puderam escapar aos caceteiros miguelistas fugiram para Inglaterra, Bélgica, Holanda e França, onde iniciaram a resistência pela reinstauração da Liberdade em Portugal. Os que ficaram sofreram as agruras do cárcere e da forca. Veja-se a esse propósito o monumental livro de Silva Lopes História do Cativeiro dos Presos de Estado na Torre de S. Julião da Barra de Lisboa (1833-1834), reeditado pelas pub. Europa-América.

sábado, 6 de outubro de 2012

Antigas medidas de peso, volume e comprimento

  
Caixa de pesos e medidas usadas pelo aferidor municipal
Talvez nem todos saibam que antigamente, desde a Idade Média, sobretudo a partir do movimento foraleiro, isto é, da atribuição das Cartas de Foral aos Concelhos, que as medidas com que se aferiam os pesos, capacidades e comprimentos das produções, agrícolas e industriais, assim como dos bens e mercadorias que animavam as actividades mercantis nacionais, eram diferentes de terra para terra, o que em nada beneficiava os preços e em muito contribuía para a inflação dos preços e consequente destabilização do mercado.

   Só após a institucionalização do Sistema Métrico Decimal, adoptado e aprovado a partir de 7-4-1795, é que as unidades de medida passaram a ser padronizadas, e a partir de então oficialmente utilizadas nos mercados das diversas nações europeias. Lembro que até aí essas medidas eram definidas de maneira arbitrária e, por vezes, discricionária, variando de país para país, o que em muito embaraçava, e até inibía, o comércio, os negócios e as transações internacionais. O modus operandis era de tal maneira arbitrário que basta dizer dependia das partes constitutívas do corpo do monarca de cada país, nomeadamente do tamanho anatómico da sua mão (palmo), do seu polegar (polegada), do seu antebraço (côvado) ou do seu braço (braçada), do seu pé, ou até mesmo do seu nariz, cuja distância ao seu polegar com o braço estendido prefazia aquilo a que se convencionou chamadar uma jarda.[1]
medidas antropomórficas (pé e polegada)
Eram medidas antropométricas, que por terem uma origem natural (homo mensurável), pareciam aos olhos do povo perfeitamente lógicas ou justificáveis.

 É claro que essas medidas, com o evoluir dos séculos, deixaram de depender das características naturais que estiveram na sua origem histórica, para se fixarem em padrões mais consentâneos com o meio físico e com as necessidades mercantis, adoptando uma medida oficial e inalterável. O que é certo é que ainda hoje são utilizadas no Reino Unido, que por razões e tradição histórica, e pelo seu natural conservadorismo, se recusou a adoptar o Sistema Métrico Décimal, preferindo manter as suas velhas medidas.
   Deixemos essas curiosidades e avancemos para o que mais nos interessa agora, isto é, para a relação e equivalência das antigas medidas de peso, volume e comprimento.
   Aqui fica, portanto, a relação dessas medidas e do seu valor oficial, sendo que estes só tiveram efectividade no nosso país a partir de 1814, mercê da aprovação do sistema métrico décimal pelo príncipe-regente D. João VI.
   ALMUDE - medida para aferir os líquidos, sobretudo o vinho, e que era equivalente a 12 canadas, correspondendo a 16,8 litros. 
   ALQUEIRE - medida
de capacidade, usada para secos de volume variável, geralmente milho, trigo, aveia, centeio, grão, feijão, assim como todo o tipo de gramíneas e sementes. Também podia ser usado para os líquidos, o que só acontecia em pouquíssimos concelhos do país, e nesse caso equivalia a 6 canadas, ou seja, 8,4 litros. Mas o seu valor em seco (quer para as transações comerciais, quer para a avaliação das terras de semeadura) passou a ser oficialmente de 13,9 litros, por decisão do Marquês de Pombal, logo após o terramoto de 1755. Valor esse que se manteve para sempre.
   ARRATEL - medida de peso, que na Idade Média correspondia ao peso da libra que se usava na península ibérica, mas que não era igual à que se usava, e ainda usa, nos países anglo-saxónicos. O seu valor no século XIX, após a converção ao SMD, era de 459,5 gramas. Esta medida usava-se muito para aferir o peso dos animais, sobretudo para o preço da carne ao público. A libra britânica corresponde a 500 gramas.
medidas de alqueire (um, meio, e quarta), ainda hoje usadas
na venda a retalho de cereais nas feiras mercados tradicionais
   ARROBA - como medida de volume, para líquidos como o vinho, valia aproximadamente 16 litros, mas se fosse para o azeite já valia menos, cerca de 12,5 litros; era principalmente usada  nas transações comerciais como medida de massa, para pesar porcos e bovinos, e nesse caso era equivalente a 32 arráteis (14.720 gr), sendo arredondada com o SMD para 15 kilogramas.
   CANADA - medida de volume mais usada nas transações mercantis, e talvez a mais antiga que se conhece em Portugal. Nos forais aparece para aferir quase todos os líquidos, sendo muito usada para medir o azeite. Equivalia a 1,4 litros, mas o valor mais comum era o usado no mercado de Lisboa, onde valia 1,5 litros, sendo esse o que prevaleceu até à adpção do sistema internacional de unidades em 13-12-1852. Dividia-se em 4 quartilhos, era a 12ª parte do Almude, e 6 canadas prefaziam um pote, unidade que rapidamente caiu em desuso no nosso país. O quartilho foi muito usado para a comercialização a retalho do vinho, equivalendo a 0,35 litros.
   COVADO - medida de comprimento, talvez a mais antiga, conhecida e usada desde os tempos bíblicos, baseava-se no tamanho do antebraço, isto é na distância que ia da ponta do dedo médio até ao cotovelo. Parece terem sido os egípcios os seus inventores, com um valor aproximado de 50 cm. Com o desenrolar dos séculos evoluiu entre os 45 e os 67 cms, fixando-se, antes do SMD, em cerca de 66 cm, o equivalente a 3 palmos.
   MOIO - medida de capacidade muito usada no nosso país desde a Idade Média, que tinha uma grande ambivalência, pois que não só se usava para capacidades de sólidos e de liquídos, como também servia para medir superfícies agrárias, tendo como exemplo a área média de terreno que podia ser semeada com um moio de trigo, de centeio, de cevada, etc. Herdamos esta medida dos romanos que a usavam para os sólidos como para os líquidos, mas com valores muito díspares. Entre nós valia 560 litros com D. Afonso Henriques e subiu até 790 litros com D. Manuel I. O seu valor mais comum era de 60 alqueires, só que o valor do alqueire variava de terra para terra. Mas com a introdução do  sistema métrico de unidade o moio passou a ser avaliado em 828 litros.
   QUARTA - medida de capacidade ou de volume, era a quarta parte do alqueire, do arrátel e da vara. Era por vezes citada com o valor de 2 maquias, o equivalente no sistema métrico a 1,725 litros. Já agora, acrescento que cada maquia valia 0,8625 litros. Já que falei em "vara" convém dizer que se usava como medida de comprimento, e que equivalia a 5 palmos, que foram arredondados no sistema métrico para 1,1 metros.
   QUARTILHO - medida de volume para líquidos, que antigamente valia cerca de 0,5 litros, passando com a introdução do sistema métrico para 0,35 l.
   VARA - medida de comprimento, que como já disse valia 1,10 metros.


[1] A origem da “jarda” (yard, em inglês), como medida de comprimento, remonta ao século XII, durante o reinado de Henrique I de Inglaterra, que decidiu instituir a distância entre seu nariz e o polegar de seu braço estendido como sendo uma jarda. Esta medida não está desactivada nem foi esquecida, pois que ainda hoje é usada (por exemplo no Futebol Americano para decidir as medidas que separam as linhas em que se divide o terreno de jogo). Era oficial no comércio britânico aferir-se a jarda como equivalente a 3 pés ou a 36 polegadas, e julgo que é essa ainda a medida usada no mercado anglo-saxónico. A jarda mede cerca de um metro, mais concretamente 0,91 m, ou seja, 91 centímetros.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

João Fernandes, paradigma do anónimo pescador olhanense


   O povo de Olhão orgulha-se, ainda hoje, da grande epopeia que um grupo de pescadores locais empreendeu num frágil caíque, atravessando o temeroso Atlântico em direcção às terras de Vera Cruz, para dar de viva voz ao rei exilado, D. João VI, a boa nova da revolta dos olhanenses contra o jugo napoleónico. Foi um gesto heróico que pressagiou a libertação da pátria face à opressão militar dos franceses. Esse é um facto histórico que todos os anos ali se comemora no dia 16 de Junho, considerado muito justamente como feriado municipal.
Mas o que ninguém comemora é o dia do pescador ou do marítimo olhanense, que bem poderia ser assinalado no dia 19 de Agosto, data de nascimento do célebre Patrão Joaquim Lopes, verdadeiro paradigma da bravura e heroísmo das gentes de Olhão.
Em contraponto lembrei-me de trazer para à ribalta deste espaço a memória de um velho lobo-do-mar, cuja vida representa em si mesma a humildade e o sacrifício, mas também a tenacidade e a honradez do povo olhanense. Chamava-se João Fernandes, nasceu em Olhão e nunca conheceu outra vida que não fosse a do mar. Faleceu, anonimamente, sem pompa nem circunstância, em fins de Outubro de 1951, tinha então 85 anos de idade. Era, à data da sua morte o decano dos pescadores portugueses ligados à faina do bacalhau.
Começou em criança a enfrentar os perigos do mar nos velhos caíques de Olhão que sulcavam os mares de Larache, e foi ainda muito jovem que aceitou o desafio de partir num bacalhoeiro para os gelados e traiçoeiros bancos pesqueiros da Gronelândia. A forma como se comportou durante anos seguidos, defrontando indizíveis dificuldades e privações, granjearam-lhe a fama de lobo-do-mar, resistindo sempre com invulgar valentia aos perigos que teve de enfrentar.
Teve também a glória de ter sido um dos primeiros olhanenses a partir para a Terra Nova, revelando-se com o decorrer do tempo como um exímio pescador, aguentando estoicamente as agruras da solidão, do frio e dos enregelantes nevoeiros que cobriam os mares da Gronelândia, pejados de bacalhau mas também de vagas alterosas, que, por mais de uma vez, o lançaram nas gélidas águas de onde dificilmente se sobrevive. A divina mão da providência, sob a invocação do Santo Cristo, sempre o salvou das águas traiçoeiras e dos gélidos frios que fustigavam as terras e os mares do bacalhau.

Dois dóris da pesca do bacalhau no Atlântico Norte, pertencentes ao lugre
de quatro mastros, que se vê ao longe, um dos conhecidos “cisnes brancos”
construídos em aço na década quarenta, nos estaleiros de S. Jacinto, Aveiro
Pode, sem exagero, afirmar-se que homens como o João Fernandes eram considerados como dos mais duros e corajosos que o mundo algum dia conheceu. E esses homens eram denominados na gíria do mar como os "pescadores-de-dóri", uma espécie de espectros humanos da mais rija têmpera, moldados no aço dos grandes bancos da Terranova e do Canal da Gronelândia. Não obstante pescarem no Verão, o ambiente e a temperatura destas águas era sempre frígido, e os lusos pescadores fainavam solitários dentro de pequenos botes, a que chamavam dóris, trazidos para os enregelantes mares, do ocidente europeu e América do Norte, nos conveses de enormes veleiros ou lugres de quatro mastros, que denominavam por navios-mãe, mas aos quais também chamavam "cisnes-brancos", por serem dessa cor as embarcações que o governo português mandou construir, nos finais da década de trinta, nos estaleiros de Aveiro (substituídos pela construção naval em aço, em São Jacinto), de Viana ou do Barreiro. Esses lugres, primeiramente construídos em madeira e depois em aço, eram pintados de branco para poderem ser divisados à distância debaixo dos brumosos céus da Terra Nova. A nossa frota bacalhoeira era a mais numerosa e bem equipada do mundo, tendo a particularidade de ser acompanhada por um navio hospital, que inclusivamente socorria os pescadores de outras nações que nessas águas fainavam em compita com os nossos interesses. Aos porões dos veleiros regressavam todas as noites os nossos bravos pescadores, para extirpar, salgar e empilhar os milhares de peixes içados para bordo do navio-mãe, provenientes dos 30 a 50 dóris, lançados diariamente nas águas gélidas. Relembro que cada dóri tinha a bordo um único pescador que usando longas linhas de 500 anzóis, se fosse experiente e esforçado, podia encher o bote duas ou três vezes por dia. À noite regressavam, à vela ou a remos, ao navio-mãe, embora o dia de trabalho não estivesse ainda terminado, pois tinham que limpar e salgar o peixe no porão. 
Na faina da Pesca do Bacalhau, registaram-se milhares de pescadores, a maioria dos quais oriundos da Póvoa de Varzim, Matosinhos, Ílhavo, Aveiro, Figueira da Foz, Nazaré, Peniche, Setúbal e Algarve. Era certamente a mais dura e solitária pescaria de que há memória, na qual se perderam muitas vidas. Nela se ocuparam alguns milhares de pescadores algarvios. Sabemos quais os números oficiais dessa faina, sendo certo que nela laboraram também muitos ilegais, nomeadamente menores, que partiam com os pais para os ajudarem no amanho do peixe. Da vila de Sagres (era assim que se dizia então) eram oriundos 20 pescadores; da cidade de Lagos eram 96; do concelho de Portimão estavam registados 231 pescadores, sendo 190 da cidade e 41 da freguesia de Ferragudo; os "filhos de Olhão" eram a maioria com 1080 pescadores e de Vila Real de Santo António eram naturais 52 bravos marítimos. 
Este foi o método tradicional da pesca do bacalhau, que perdurou largas décadas no séc. XX, acabando por ser superado pelo actual sistema de arrasto.
A tudo isto escapou o velho lobo-do-mar, que depois de enviuvar e de ver arruinada a saúde, pediu que o recolhessem no Asilo das Irmãzinhas dos Pobres, em Campolide, que o trataram com muito carinho, desvelo e admiração, até ao último sopro de vida.
A título de curiosidade, acrescentamos que teve duas filhas, Deolinda Fernandes Pereira e Albertina Fernandes Carolas, ambas já falecidas. Mas isso hoje pouco importa, porque ninguém se lembra, nem ninguém quer saber, quem foi o pobre do João Fernandes, esse anónimo lobo-do-mar, sacrificado marítimo e honrado filho do glorioso povo de Olhão.

Calendário Olhanense

   
     O laborioso povo de Olhão tinha uma forma pitoresca para designar os meses do ano. Assim, de Janeiro a Maio, sucedia-se o mês de S. João, o mês de S. Cristóvão, o mês de S. Bartolomeu, a Feira de Faro, a Feira de Olhão, Todos-os-Santos e Natal. Esta calendarização do ano prende-se com a actividade económica das feiras, sendo muito curiosa as referências a S. Cristóvão e a S. Bartolomeu. Não creio que haja nada parecido no país.
 

Cacela - Foral


A antiga cidade de Conistorgis, que depois da conquista cristã foi designada por Cacela, recebeu o seu Foral de autonomia concelhia pela mão de D.Dinis, estando o mesmo datado de Lisboa em 17-7-1283. O documento está em bom estado, escrito em português, com acesso ao público.
Pode ser consultado na Torre do Tombo, Livro I de Doações de D. Dinis, fl. 77v.º, col.2.
 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Etnografia Algarvia - Caimbo


Numa altura em que se assiste à modernização tecnológica da nossa agricultura, há certos aspectos da nossa ancestral actividade rural, e da sua consequente transformação em economica agrária, que convém agora na olvidar. Dentre os aspectos que marcaram a vida nos campos e a nossa lavoura, assume particular relevância a etnografia, ou seja, o estudo dos comportamentos, dos saberes e das práticas, dos ritos e das técnicas, que o nosso povo usou, empregou e criou para garantir a sua sobrevivência, ao longo dos vários séculos que compõem a orgulhosa odisseia do povo lusíada. A etnografia, agora designada por Antropologia Cultural, é no fundo o estudo do povo na sua interacção com o meio ambiente. Daí que existam (ainda hoje) claras diferenças entre a cultura rural e a cultura marítima, ou seja, entre as comunidades agrárias e as piscatórias. Sendo que de premeio estejam as comunidades da montanha, a quem ninguém liga  importância por parecerem semelhantes às rurais, isto é, dependem e desenvolvem actividades ligadas à economia agrícola. Mas isso são questões que não interessa agora revolver, até porque são bastante controversas.
Tudo isto para dizer, tão simplesmente, que a etnografia algarvia é das mais ricas e diversificadas do país, porque envolve, numa simbiose ímpar e incomparável, os três tipos de comunidades e os três tipos de ambientes orográficos: a costa marítima, a planície rural e o relevo montanhoso. Em todos esses diferentes ambientes emergiram e proliferaram culturas autóctones e actividades muito peculiares.
Não vou aqui nem agora discorrer sobre tão vasta temática. Isso levar-me-ia muito mais longe do que o espaço e a paciência de que agora disponho. Além disso nada mais poderia acrescentar àquilo que já se conhece pela mão dos mestres da etnografia portuguesa, refiro-me a Consigleri Pedroso, Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Leite de Vasconcellos, sem esquecer o meu saudoso amigo Manuel Viegas Guerreiro, que foi o maior investigador da etnografia algarvia e o grande impulsionador da Antropologia Cultural nas universidades portuguesas.
    Hoje fico-me por um simples traço da etnografia rural algarvia: o Caimbo, que mais não é do que a designação que no Algarve se atribui à vara com que se procede à varejadura do figo. Como hoje já não se vareja o figo, e inclusivamente já poucos agricultores o colhem porque as indústrias de outrora já não existem, ocorrreu-me lembrar este simples artefacto a que os homens do campo davam grande importância, porque deveria ser moldado num ramo de zambujeiro, que alguns também designam por oliveira-da-rocha, e que mais não é do que uma oliveira brava. O termo zambujeiro foi importado da ilha da Madeira, por ser de lá que vieram estas oliveiras bravas, cujo fruto costumavam misturar com as azeitonas brancas para dar uma tonalidade mais esverdeada e um sabor mais frutado ao azeite.
    Saber colher um bom ramo de zambujeiro, e dele moldar uma vara longa e maleável, para com ela bramir uma leve chicotada no pé do figo, não era tarefa fácil nem ao alcance de qualquer um, pois que exigia conhecimento, treino e destreza, quer no amanho da vara quer no exercício da colheita do fruto.
Creio que, infelizmente, nenhum desses rudimentares artefactos da ancestral ruralidade algarvia subsistirá ainda hoje, quiça esquecidos em qualquer adega ou casa de arrumos numa aldeia perdida no barrocal do Algarve. Também não existem quaisquer exemplares no Museu Etnográfico Regional do Algarve, sediado em Faro, que me permiram trazer para aqui uma imagem fidedigna do seu valor artístico e da sua importância na economia rural algarvia.
Resta-me acrescentar que o termo Caimbo empregava-se também na Ilha do Corvo, nos Açores, para designar uma espécie de marca de propriedade que se inflingia no gado, a qual consistia numa incisão transversal no bordo da orelha dos bovinos. Creio que essa prática já hoje não se usa, e nem tão pouco se justifica. Curiosamente o termo morreu pelo efeito da sua inaplicabilidade, isto é, deixou de ser compatível com a realidade económica, social e cultural que hoje vivemos. Por isso é que o trouxe hoje à ribalta da memória, e por isso é que faz parte do património etnográfico algarvio e açoriano.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Bocejo


Sobre o chamado “contágio do bocejo” costuma-se dizer no Algarve o seguinte  motejo:
“Anda o bocejo de boca em boca, como o passarinho de moita em moita”.
Também se costuma dizer a quem boceja:
“Isso é fome ou sono ou ruindade do dono”

Algarvios e Minhotos


O agostiniano Frei Joaquim de Santa Rita, publicou nos meados do séc. XVIII a notável obra Academia dos Humildes e Ignorantes, na qual afirmava que se o Algarve tivesse sido povoado por gente do Minho, dentro de poucos anos esta província tornar-se-ia no canto mais belo do mundo. É claro que isto era um exagero, em todo o caso é verdade que os minhotos são infatigáveis trabalhadores, gente enérgica e honrada que por onde passa lança mãos ao trabalho vencendo na vida.
Mas esse espírito empreendedor e perseverante, associado a um carácter esforçado e guerrreiro, muito peculiar nas gentes obreiras do Minho, nem sempre foi pacífico ou bem tolerado, como acontece no tempo presente. É que geralmente os que vinham de fora chegavam ao Algarve para lutar pela vida e alcançar objectivos de sucesso. Daí que muitos deles se tivessem elevado para patamares de preponderância económica, social e política.  Os minhotos, mas também os beirões, são ainda hoje no Algarve considerados e respeitados como empresários, proprietários, comerciantes e industriais, de reputado sucesso.  Daí que muitos deles tivessem sido convidados a assumir cargos de chefia nos organismos locais da administração pública e da política em geral.
Porém, ainda hoje sobejam resquícios de antigas invejas, inultrapassadas cobiças e de insuperáveis invídias, que fizeram com que os algarvios lhes lançassem o epiteto de "Filipes", como se minhotos e nortenhos fossem estrangeiros usurpadores das riquezas e dos benefícios locais, numa clara alusão ao domínio estrangeiro durante o período da subjugação espanhola. O certo é que se formos a ver à lupa os cargos de chefia regional verificamos que na sua maioria são desempenhados por não algarvios, ou, na melhor da hipótese, por algarvios de fresca data, isto é, filhos de lisboetas, beirões e minhotos. Felizmente, hoje, esses ditos e epítetos são águas passadas que já não movem moinhos.
 

Documentos históricos

Relativos ao Algarve existem depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) muitos milhares de documentos, sobre os assuntos mais díspares, desde os Registos Paroquiais à Justiça e Negócios Eclesiásticos, até à Fazenda e Desembargo do Paço. Mas uma das secções mais ricas daquele Arquivo são as chamadas «Gavetas da Torre do Tombo», uma subdivisão sectorial de grande abrângência cronológica e de ampla diversidade temática, onde se podem exumar milhares de documentos de suprema importância e de subido interesse histórico, cuja existência geralmente se desconhece.
Apenas a título de curiosidade aqui deixo, nesta breve nota, alguns diplomas de enorme importância para o estudo histórico do Algarve, assim como das suas relações político-socioeconómicas com outras regiões do país e do mundo. Após a citação do documento acrescento alguns informes sobre o possível interesse do mesmo, o suporte, o estado de conservação e a data; seguindo-se a indicação oficial do documento em si, o que permite ao leitor deste blogue saber aonde é que o mesmo se encontra, e a forma como requesitá-lo, numa hipotética visita à Torre do Tombo.

Algarve (Documentos)
- Carta do rei de Castela dirigida a D. João de Aboim, mordomo-mor de el-rei de Portugal, e para Pedro Anes, seu filho, na qual lhes ordenava entregassem a el-rei de Portugal os castelos das vilas de Tavira, Loulé, Faro, Portimão, Silves, Aljezur e toda a terra do Algarve com suas pertenças e direitos. Importantíssima carta de doação dos castelos do Algarve, escrita sobre pergaminho, em bom estado e com selo de chumbo pendente, datada de 16-2-1267.
ANTT, Gaveta XIV, maço 1, doc. 3. Sobre assunto afim, ver Gav. XIV, maço 1, docs. 7 e 8 e ainda Gav. XIV, maço 4 doc. 9.

- Pública-forma dos autos de diligência que fez o Doutor António Vaz Raposo, que serviu de corregedor do Algarve, por especial mandado de El-rei, a respeito da ida dos cristãos-novos para terra de mouros. Escrito em papel, com 13 fls., e em bom estado, datado de Castro Marim a 27-6-1532. ANTT, Gaveta XV, maço 2, doc. 14.

- Alvará passado a António Vaz para o cargo de Feitor das Rendas da Rainha no Algarve. Escrito em papel, bom estado, datado de 20-4-1529.
ANTT, Gaveta XV, maço 11, doc. 29.

- Carta do Bispo do Algarve a respeito do abandono das cidades de Safim e Azamor. Muito interessante para o estudo das relações com o Norte de África. Escrito em papel, com 4 fls., bem legíveis. Datado de Lagos a 15 de Outubro de 1534.
ANTT, Gaveta XV, maço 14, doc. 2.

- Carta do Bispo do Algarve a el-rei a respeito de coisas do Algarve. Importante para o estudo da situação económica da região. Escrito em papel, com 4 fls., em bom estado, datado de 18-8-1534. ANTT, Gaveta XV, maço 14, doc. 7.

- Carta do rei D. Afonso de Castela através da qual doou a el-rei de Portugal, D. Afonso III, a seus herdeiros e sucessores o território do reino do Algarve e seus pertences. Trata-se do documento que legitimou a Conquista do Algarve e a sua integração no espaço nacional. Pergaminho em mau estado, datado de Badajoz a 16-2-1267.
ANTT, Gaveta XV, maço 15, doc. 36.

- Carta do Corregedor do Algarve para El-rei dando notícia dum pedido de socorro manifestado por Nuno Fernandes de Ataíde para as praças de África. Escrito em papel, com 3 folhas, em bom estado, datado de 13-(?)-1514.
ANTT, Gaveta XX, maço 2, doc. 65.

- Alvará dirigido ao contador do Algarve para que se fizesse a entrega dos forais novos e respectiva cobrança do custo de cada um, a favor de Fernando de Pina. Escrito em papel, com 2 fls., em bom estado, datado de Lisboa, 14-9-1504.
ANTT, Gaveta XX, maço 10, doc. 8.

- Duas folhas do Livro da Chancelaria do Infante D. Fernando respeitante aos direitos do Algarve, uma está datada de 30.3-1531 e a outra de 23-7-1533, escritas em papel e em bom estado.
ANTT, Gaveta XX, maço 10, doc. 21.