sábado, 15 de dezembro de 2012

Um pomar de versos, em frutos de palavras


No mundo actual e no sentido materialista em que vivemos, a poesia parece ser algo que sobrevive ainda, mas de forma ilusória, desgarrada e sem futuro. Esta é a mais confrangedora das minhas constatações quando discorro com os meus alunos sobre a importância da poesia na aplicação a novas estratégias comerciais, ou sobre a inserção do metaforismo e da metonímia na linguagem mercantil e nas relações empresariais. É certo e sabido que me pedem de imediato uma definição de poesia, como se tudo na vida tivesse que ser concreto, objectivo e rigoroso. Como as definições são enunciações indiscutíveis, costumo dizer que a poesia é tudo aquilo que ficou para trás na tradução, servindo-me à letra da afirmação "The road not taken", do poeta americano Robert Frost (1874-1963), que considerava assim a poesia como tudo aquilo que não se consegue traduzir, isto é, que não se consegue definir por palavras simples, claras e intuitivas. O que Frost queria dizer é que tudo aquilo que escrevemos, isto é, que traduzimos da realidade, é prosa; mas o que não conseguimos dizer ou escrever com a clareza do real, é poesia.
Dito de outra forma, poesia é sentir sem racionalizar, isto é, não precisamos da erudição nem da ciência para compreender as coisas, basta senti-las para nos deixarmos emocionar por elas, experimentando-lhes as sensações e o impressionismo judicioso. Camões, quando quis revelar o que é o amor, fê-lo de forma a traduzir em si a própria poesia, afirmando que «é ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente». Significa isto que sentimento e razão constituem as duas faces da mesma moeda, porque ao fim e ao cabo a bipolarização entre o positivo e o negativo – entre o Yang e o Ying da filosofia Zen, entre o bem e o mal, o sagrado e o profano que fraterniza as religiões – são formas seculares de conhecimento que enraizaram a humanidade ao longo de milénios.
Por conseguinte, a poesia é intimista e sublime, demasiado pessoal para ser transmissível, e cuja expressividade necessita de uma imaginação fértil e fecunda para fazer-se sentir, tanto na pele como na alma. Poesia, poema e verso são como o tríptico Saussureano do signo, significado e significante. Estão interligados, fazem parte do mesmo corpo linguístico, ou, neste caso, do mesmo género literário. É assim mesmo que acontece neste livro, nesta tríade ou simbiose em que se traduz a poesia de Santos Serra.

Pomar de Pedras, assim se titula o poema que encerra, e ao mesmo tempo denomina este livro. Pela leitura deste poema, mas também pela maioria os versos que dão corpo e alma a este livro, sente-se uma mensagem de esperança, um alento de fé num sopro de vida: “as pedras perfilam-se no sonho da metamorfose / de cada pedra brotar uma flor” É a mesma mensagem, de esperança e de regeneração, que abre este livro, num belo poema sobre o verde, como signo imperecível da natureza e da vida. “Verde era o vento das liberdades de atingir… Verde era o oceano da viagem para as Índias dos sonhos… Verde era o agora e o porvir no cadinho viril de uma vontade”. Das reminiscências da feliz infância até ao laborioso sucesso de uma vida, juramentada a Hipócrates e à supressão do sofrimento, de tudo isso se faz velado eco e sublimação nos versos que compõem os poemas deste livro, que não fala de pedras, mas antes dos frutos que eternizam a existência humana: o amor e a lealdade, a verdade e a justiça, a solidariedade e o afecto, a honra e a dignidade, o respeito e a fidelidade.
O decantado poeta Eugénio de Castro dizia que o poema em si mesmo «embala a angústia nos braços decepados». É uma brilhante metáfora, que traduz toda a magia espiritual da concepção poética. E neste Pomar de Pedras é a metáfora, usada com incisiva regra e oportuno instante, sem excessos nem exageros, com a justa parcimónia do equilíbrio a que se submete o poeta do verso curto, sóbrio e enérgico. A brevidade do verso – composto por duas a cinco palavras, numa média de seis a doze sílabas – é a principal característica da poética de Santos Serra. A moderação exige a modelação da palavra, trabalho árduo e difícil, que aproxima o poeta do escultor, pois ambos sabem que o olhar de quem os observa não se pode dispersar pelo acessório, devendo concentrar-se no que é verdadeiramente essencial.
Ibne Ammar, grande poeta árabe, nascido em Estombar, usava também a palavra com parcimónia, recorrendo à simbologia das cores, como no signo Saussureano, para construir belas metáforas, de que esta sobre a impressão da leitura é verdadeiramente modelar: «Minha pupila liberta / Quem da página é cativo: / O branco, da margem certa / E da palavra, o negro vivo».
Também neste livro, de versos curtos, incisivos e inteligíveis, onde as metáforas e as imagens poéticas sobressaem vivas de cor e cintilância, se notam por vezes os subterfúgios do artista, que se revela na simbologia da luz e nos matizes pictóricos, ou na energia dos elementos naturais, para impressionar, não a pupila mas o espírito do leitor. São disso exemplo as frequentes invocações das árvores, da terra e da erva, das flores e dos frutos, dos rios e das fontes, do sol e da chuva, dos pássaros e do vento, do raio e do trovão. É por esses recursos poéticos que constatamos, nos interstícios do poema, a existência de um velado misticismo, a presença indefinida duma força criadora, a existência de um indistinto ente supremo, a vigilância dum espírito criador, e muitas vezes a omnipresença de um regulador dos sentidos, que inversamente funciona como catalisador dum impressionismo contemplativo.
Nota-se, nesta sequência, um incontido impressionismo saudosista quando recorda a Coimbra da sua juventude, presença omnisciente nos seus livros, aqui revisitada do Mondego e do Choupal ao Templo de Minerva, numa peregrinação de saudade dos “Que te veneram enquanto vivos / E te levam com eles para a eternidade». Alegram-se os sentidos e rejubilam as memórias quando no poema «Diferenças» relembra a sua chegada à Lusa Atenas: «Era ser livre sem peias de tirano / Era sentir o mar dentro de nós / Era encher de estrelas as noites cor de breu / Era ser rei de um reino de Utopia… / Hoje, mais de meio século / Do meu desembarque neste cais, / A eterna turbulência juvenil / Sobe à Acrópole a cantar».
A marca da tradição, da rebeldia juvenil e a nostalgia do tempo que passa, são punções indeléveis na poética de Santos Serra. Coimbra é a cidade do eterno retorno, o berço onde se fez homem, a radícula das paixões perpétuas e o núcleo das insanáveis saudades do vento que afaga e passa, mas não apaga.
João Pires declamando os poemas do livro do Dr. Manuel
dos Santos Serra na sessão de apresentação da obra, na
Biblioteca Municipal de Albufeira, 5-11-2011.
Outras terras e outras gentes são também aqui evocadas em formosos versos. Tem um destaque muito especial a cidade de Albufeira, louvada e enobrecida em refulgentes poemas de vida, cor e luminescência. O poema «História da Toponímia» descreve a antiguidade de Albufeira de uma forma lapidar, a merecer talvez outros rumos e liberdades, que uma simples página de livro não lhe pode oferecer. Os poemas sobre a «Praia do Peneco» e o «Passeio da Marginal» são igualmente refulgentes medalhas poéticas que os serviços oficiais poderiam avocar nos seus desdobráveis de divulgação turística. Mas outros poemas abundam neste livro que merecem igual destaque. Não querendo ser exaustivo nem maçador, destaco apenas alguns que me impressionaram pela qualidade das suas imagens e pelo brilho da sua inspiração: «Espelho», «O êxito…», «Narciso», «Último olhar», «2010», «Sol e lágrimas», «Ideal», «Cometa», «História breve», «No fim» (sobre Sagres), «O drama», e, por fim, o «Pomar de pedras», que dá o nome ao próprio livro.
Acresce dizer que a poesia de Santos Serra não obedece a modelos, e muito menos aos ortodoxos esquemas que enformaram durante séculos a estruturação lírica das palavras. A ordenação versífera escorre pelo papel à cadência repentina dos sentimentos, livre e solta, sem peias, nem falsos pudores, numa toada de absoluta liberdade criativa. O poeta quando atinge este nível, de elevação fecunda, de autonomia inventiva e de liberdade imaginativa, aproxima-se muito do artista plástico, que concebe na tela a imagem sem visionar o modelo. Quando assim acontece, estamos perante a Arte, na forma e na palavra.
Dizia Baudelaire, o eterno criador das Flores do Mal, que «os poetas são uma raça irritável». Referia-se logicamente ao efeito que a sua poesia causava na sociedade e no espírito político do seu tempo. Mas a noção de exaltação e de exacerbamento do espírito, que só a poesia é capaz de incutir e de produzir na alma do povo, causa de facto grande irritação e incómodo àqueles que pretendem orientar a existência humana para a mediocridade e obscurantismo. A poesia é por natureza revolucionária e não raras vezes foram os poetas, como no tempo de Baudelaire, que conduziram os humilhados e ofendidos, os despojados, os desempregados e toda a casta de desafortunados, para a sublevação nas ruas, nos campos e nas fábricas, em nome da liberdade e da justiça social. Quem não se lembra da importância da poesia de Ary dos Santos, de Natália Correia, de Manuel Alegre e de Zeca Afonso, no eclodir da revolução do «25 de Abril»…
De facto a poesia de Santos Serra, principalmente neste livro Pomar de Pedras, irrita e incomoda aqueles que vêem a existência humana como uma efémera e passageira viagem, desprovida de amarras para atracar no cais da eternidade. E no seguimento dessa asserção pode mesmo afirmar-se que a maioria dos poemas deste livro são verdadeiramente irritáveis, porque conseguem ver, para além do material e do sensível, aquilo que sendo puro contribui para a construção da realidade harmoniosa. Por isso é que Gaston Bachelard disse que «a função principal da poesia é transformar-nos», ou seja, o papel social e a utilidade funcional da poesia consiste, em última instância, no melhoramento da condição humana e no aperfeiçoamento das suas qualidades intrínsecas. Diria, em síntese, que o objectivo final da poesia é fazer de nós pessoas mais puras, mais sinceras, mais justas, leais e virtuosas, em suma, mais verdadeiras, mais sensíveis e emocionais.
Os poetas são irritáveis, sim, porque só eles sabem esgrimir as palavras em acutilantes golpes contra a iniquidade social, a perversão política e a corrupção moral. Não admira, por isso, que os poetas sejam geralmente incompatíveis com a política e o exercício do poder. É que ser poeta, como disse Florbela Espanca «é ser mais alto, é ser maior do que os homens… É ter fome, e ter sede de Infinito! É condensar o mundo num só grito!».
Mas na triste realidade em que vivemos, neste mundo de materialismos egoístas e de futilidades mesquinhas, os poetas são pouco valorizados e até desprezados. É confrangedor ouvir de gente bem instalada, e com responsabilidades sociais, palavras de avaliação depreciativa para com os nossos poetas, apelidando-os de quixotescas figuras, inválidos guerreiros na batalha da vida. Para a bestialidade dominante, os poetas são meros sonhadores, sem serventia nem utilidade. Quem manda, decide e ordena, não gosta de sentir, porque teme que o sentimento fragilize o comando. Enganam-se… porque só aqueles que sentem é que são capazes de compreender e de racionalizar a pungente amargura da injustiça, da desigualdade e da vilania. Um homem que ajuíza e decide deve ter sempre à sua cabeceira um livro de poesia, para que possa aprender a lição de que tudo passa e tudo se perdoa, na ligeira brisa da vida e na húmida bruma do tempo.
José Carlos Vilhena Mesquita
 

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Júdice Fialho, o maior industrial conserveiro do Algarve


A figura mais notável da História da Industria Conserveira no Algarve, foi sem sombra para dúvidas João António Júdice Fialho, um homem inteligente e empreendedor, que nas primeiras décadas do século XX conseguiu conquistar os principais mercados europeus com as suas conservas de atum e de sardinha, mas também com as suas massas alimentícias, compotas e marmeladas. Foi dos poucos industriais das pescas que há mais de um século atrás soube visionar  o conceito de globalização à escala atlântica, investindo na aquisição de modernos meios de transformação industrial do pescado, cujos avultados lucros lhe permitiram diversificar a produção e reinvestir noutros segmentos de mercado. 
Palácio Fialho hoje propriedade da Diocese do Algarve
Proprietário e industrial de conservas, João António Júdice Fialho nasceu em Portimão a 17-4-1859 e faleceu em Lisboa, na Casa de Saúde de Benfica, a 17-3-1934, com 74 anos de idade. Os seus avantajados meios de fortuna permitiram-lhe reunir uma magnífica colecção de arte (quadros, porcelanas, mobiliário), fazendo-se distinguir na sociedade do seu tempo, tanto no país como no estrangeiro, como um mecenas e um magnata da cultura e da arte. A sua avultada fortuna permitiu-lhe construir na colina de St.º António do Alto, em Faro, uma magnifica residência ao estilo dos “chateaux” do Loire francês, que ficou conhecido, e ainda hoje se designa, como Palácio Fialho. Começou a construir-se em 1915, sob projecto do arquitecto Joaquim Manuel Norte Júnior, concluindo-se as obras em 1925, cuja cerimónia de inauguração contou com a presença das principais autoridades políticas, religiosas e militares do Algarve.
Nessa altura poucos se interessavam em Faro, ou no Algarve, pelo coleccionismo de peças artísticas e de antiguidades, paixão essa que herdou do sogro, o famoso Dr.  Justino Cúmano, que foi no último quartel do séc. XIX um verdadeiro mecenas da arte e da cultura algarvia, proprietário do Teatro Lethes e grande impulsionador da Arte de Talma no Algarve. 
Iniciou a sua actividade industrial precisamente na cidade de Faro onde fundou uma fábrica de álcool que por razões conjunturais teve efémera duração. Investiu depois no ramo da indústria da pesca do atum e da sardinha, sector tradicional mas de confiável retorno financeiro. Depressa se apercebeu da oportunidade do sector conserveiro, que nos finais do séc. XIX estava ainda a dar os primeiros passos, fundando algumas fábricas em Portimão e Lagos. Anos depois fundaria novas e sofisticadas unidades fabris na cidade de Faro, nas vilas de Olhão e Espinho, tendo por fim avançado para a ilha da Madeira, onde se tornou o principal industrial do sector, tal como aliás acontecia no Algarve. O número de operários, que tinha por sua conta nas diversas fábricas espalhadas pelo país, ascendia a largos milhares.
As marcas que lançou no mercado, sobretudo das suas conservas de sardinha eram as mais conhecidas na Europa, principalmente em Inglaterra, onde praticamente dominava esse sector de mercado. As latas de sardinha e de atum das fábricas algarvias da Casa Fialho foram imprescindíveis para a alimentação dos exércitos beligerantes durante a I Guerra Mundial.
Pedra de litografia usada nas conservas de Júdice Fialho
Júdice Fialho foi um dos maiores industriais de conservas da Europa, cujo sucesso se deve ao seu espírito criativo e empreendedor, capaz de ver à distância os interesses do mercado e a evolução do consumo em diferentes regiões do mundo. Com o elevado volume de negócios que manteve nos principais mercados mundiais, conseguiu reunir um pecúlio financeiro verdadeiramente invulgar, tornando-se num dos maiores capitalistas portugueses do seu tempo.
Teve uma vida de intenso trabalho, com muitos dissabores, traições e desilusões, que lhe endureceram o carácter. Retirou da sua experiência como empresário uma capacidade negocial invulgar e uma diplomacia nas relações exteriores muito peculiar. Soube extrair das relações com os políticos nacionais e estrangeiros grandes lições, umas positivas quando baseadas na honra, outras negativas quando envasadas na corrupção. De todas soube sempre colher ensinamentos que lhe foram muito úteis no seu longo percurso empresarial. Muitas dessas falsas amizades usou-as em proveito próprio. Não obstante, foi um dos maiores industriais das pescas e da transformação conserveira no país, com fábricas no Algarve e noutras regiões do país, contribuindo com as suas iniciativas empresariais para o desenvolvimento da economia nacional.
Panorâmica do palácio Fialho, actual Colégio do Alto
Curiosamente nos últimos anos de vida virou-se para a agricultura, tendo adquirido no Algarve vastas propriedades, situadas no Areal Gordo e Pereiro, as courelas das Caliças, as fazendas de Marachique e das Areias, do Vau da Rocha (em Portimão), Atalaia e Benefícios, assim como a famosa Quinta do Alto, onde construíra a sua residência. Mas também adquiriu as conhecidas Hortas de Olhão e dos Fumeiros, a quinta do Bom João e a vastíssima fazenda do Montenegro, sem esquecer ainda as valiosas e extensas propriedades dos salgados e reguengos de Portimão, em Boina e Arge, tendo por fim adquirido o antigo Morgado de Quarteira, que mais tarde o banqueiro Cupertino de Miranda compraria aos seus herdeiros para aí fundar o resorte turístico hoje conhecido como Vilamoura. Nessas propriedades desenvolveu culturas novas e empregou modernas máquinas, adubos e desinfestantes até aí desconhecidos na região. Algumas dessas máquinas existiam ainda há poucos anos nas arrecadações agrícolas da sua apalaçada residência, hoje transformada, ou adaptada às suas funções educativas, sob a designação de Colégio de Santo António do Alto. A ele se deve a introdução no Algarve das culturas intensivas do pimenteiro e do marmeleiro, cujas produções aproveitou para criar as primeiras agro-indústrias no género, além de ter também experimentado a exportação em lata da pasta de pimento e do doce de marmelo.
Também investiu na pesca do bacalhau, enviando vários navios da sua frota pesqueira do Algarve para os bancos na Terra Nova de onde voltavam carregados de peixe que era depois aqui submetido à secagem, embalagem e exportação para os mercados consumidores em todo o mundo. Embora o Algarve tivesse condições muito propícias à indústria da secagem do bacalhau, o certo é que depois da experiência da Casa Fialho praticamente não houve quem prosseguisse no aproveitamento desse sector.
Face aos seus negócios e aos avultados meios de fortuna, Júdice Fialho passava largas temporadas no estrangeiro usufruindo da avançada cultura dos países do centro europeu, adquirindo conhecimentos nos mais diversos meios, quer científicos quer artísticos. A sua educação e esmerado bom gosto, levou-o a coleccionar imensas obras de arte, principal-mente quadros, tapeçarias, esculturas e ricas porcelanas, com as quais decorou e enriqueceu o seu palácio de Faro.
soldagem das latas de conservas
Uma das suas características mais cativantes era a forma como tratava os seus colaboradores, desde o engenheiro até ao mais humilde trabalhador rural, que a todos conhecia pelo primeiro nome. A nenhum, sobretudo aos mais humildes, permitia que faltasse o sustento, diligenciando sempre trabalho para os activos e apoio financeiro para os velhos e doentes. Impõe-se também salientar que as fábricas conserveiras da empresa Júdice Fialho foram as primeiras no país a possuírem creches para os filhos das operárias e salas de aleitamento para que as mães pudessem cuidar dos seus bebés durante as horas de trabalho.Também lhes eram prestados serviços médicos e apoio farmacêutico, além de ensinamentos de puerícia e aconselhamento no planeamento familiar.
Em 17-4-1916, a Câmara Municipal de Portimão prestou-lhe uma homenagem pública, descerrando o seu retrato no salão nobre daquela edilidade, como prova de gratidão pelo desenvolvimento económico prestado à sua terra-natal.
Dois dias antes de falecer foi submetido a uma intervenção cirúrgica que correu satisfatoriamente, sucumbindo no pós-operatório por causa de um ataque  cardíaco, enfarte agudo do miocárdio.
Foi casado com D. Maria Antónia Cúmano Fialho, que era descendente de uma das mais prestigiadas famílias do Algarve, filha do médico italiano Dr. Justino Cúmano. Teve duas filhas, D. Justina Cúmano Fialho de Sousa Coutinho, casada com D. António de Sousa Coutinho, Conde de Linhares, e de D. Isabel Cúmano Fialho de Mendonça, viúva de Jorge de Mendonça.
O féretro do benemérito industrial chegou a Faro por via-férrea no dia 21-5-1934, ficando depositado no jazigo da família Cúmano até que ficasse pronto o mausoléu que a viúva mandou edificar no Cemitério da Esperança. O seu funeral foi uma grandiosa manifestação de pesar, demonstrada por milhares de pessoas que deviam ao defunto diferentes provas de amizade e de protecção. Vieram camionetas de todo o Algarve, especialmente de Portimão, Peniche e Sines, onde aquele industrial possuiu fábricas e propriedades agrícolas.
O nome de João António Júdice Fialho encontra-se imortalizado na toponímia das cidades de Faro, Sines e Portimão. Recentemente o município de Portimão atribuiu-lhe o nome a uma Escola do Ensino Básico dos 2º e 3º Ciclos.

Benzeduras e ditos populares na etnografia algarvia

Benzer o pão - Terminada a amassadura do pão, benze-se a massa e talha-se com a mão fazendo um gesto em cruz; quando a maça começa a levedar esta cresce de volume até atingir uma proporção que indica poder dar-se o trabalho por concluído, dizendo-se então: “Deus te acrescente / Deus te ponha a virtude / Que eu já fiz o que pude”. Esta crença e procedimento que era comum e habitual em todo o Algarve, hoje só se executa nas casas de campo e lavoura do interior algarvio, sobretudo em São Brás de Alportel, em Castro Marim, Silves, Monchique e Aljezur. No entanto, este dito era substituído em muitos lares onde se cozia pão, por uma ladainha popular, por um responso religioso, dirigido a Santo António ou a São Francisco, e por uma bênção igual à que viam e ouviam fazer na missa. Esta crença da benzedura e da ladainha religiosa usava-se não só na amassadura do pão, mas também no parto dos animais de curral. Era muito comum o uso de rezas e benzeduras por certos curandeiros e habilidosos de mãos, a que chamavam "endireita", uma espécie de fisioterapeuta popular que nas aldeias e terras do litoral algarvio costumava curar entorces e outras lesões articulares, que no Algarve costumam designar por "desmantalamentos". 
Cangrejo - No linguajar algarvio, significa caranguejo, daí a expressão muito peculiar de “andar ao cangrejo” que se traduz na apanha do caranguejo. Também é muito corrente dizer-se “cangrejar” que significa mourejar ou trabalhar muito, mas com pouco proveito.

Âncoras de Ossónoba?


Âncoras - No cabo de Palos, em Espanha, apareceram há quase cem anos atrás umas âncoras de chumbo com inscrições gregas e latinas. Uma dessas inscrições gregas referia-se a Júpiter Casio. A circunstância de Ossónoba ter sido rica em estanho, de nas suas moedas aparecerem um navio e peixes, e de em Faro ter sido encontrada uma inscrição consagrada a Júpiter, levou o arqueólogo espanhol, o Rev.º Fidel Fita, a aventar que talvez essa âncora fosse feita em Faro. Leite de Vasconcelos, numa curiosa nota crítica em O Archeologo Portugues, vol. XI, p. 382, rebate a opinião pois nem só nas moedas de Ossónoba aparecem aqueles emblemas, e a inscrição não é de Faro mas de Messines.

Foral do ALVOR e outras curiosidades


O FORAL manuelino do Alvor, também designado por foral novo, foi dado em Lisboa a 13-12-1585. Existe também um alvará para esta vila usar do foral de Silves (Chancelaria de D. Filipe I Livro 10, fl. 281). Veja-se também a Provisão de 14-12-1715, facultando ao Duque de Cadaval poder vender o sal das suas Marinhas d’Alvor sem embargo da disposição do Foral (Chancelaria de D. João V, livro 44, fl.37).
Forte do Alvor - Em Novembro de 1924 foi encontrada, soterrada na Rua do Mourão, uma lápide com a seguinte inscrição; «Sendo o Ilmº Bispo e Governador deste Reino, D. Fernando Barreto, mandou acabar este forte no ano de 1675». A pedra que era de altíssimo valor histórico, foi empregue na construção de um bebedouro, porque ninguém conseguiu demover o seu proprietário a oferecê-la  à autarquia de Portimão para o futuro Museu.
Igreja e romarias - O pórtico da Matriz do Alvor, em estilo manuelino de transição para a Renascença, é dos mais belos do Algarve. A igreja tem uma porta lateral também manuelina, sendo o seu interior de três naves, com curiosas colunas e arco da capela-mor bem talhado. Tem junto à igreja a capela da Senhora do Verde. Refira-se que à imagem do Senhor Jesus Crucificado de Alvor faziam-se romagens todas as sextas-feiras do mês de Março, que eram muito concorridas pelos devotos de Portimão, Lagoa, Silves e Lagos.


domingo, 11 de novembro de 2012

Origens do Turismo Algarvio - um dos fundadores do Hotel Bela Vista em Portimão

   
     Numa altura em que vivemos o ano jubilar do turismo português, mercê da realização em Lisboa, em 1911, do IV Congresso Internacional de Turismo; e em que estamos praticamente a abrir as comemorações centenárias do 1.º Congresso Regional Algarvio, realizado no Casino da Praia da Rocha, em 1915; impõe-se aqui, e agora, realçar e destinguir algumas figuras que estiveram na origem do processo nacional de fomento turístico. A maioria dessas personalidades estão hoje injustamente esquecidas e ignoradas, mercê do processo evolutivo dos tempos, mas também da ingratidão que tem caracterizado as gerações recentes. Acresce a tudo isso a ignorância institucionalizada pelo aparelho educativo nacional, que tem transformado uma nação com um glorioso passado num país periférico sem memória nem futuro.
    Assim, e de entre as muitas personalidades que estão ligadas à História do Turismo no Algarve, ocorreu-me lembrar hoje a  figura de Albino Paulino de Jesus, que foi Oficial da Marinha Mercante e empresário de turismo, natural de Ferragudo, onde, aliás, sempre residiu, vindo a falecer no hospital de Portimão, vítima de um lamentável acidente, a 27-9-1954, com 67 anos de idade.
Herdeiro de uma das mais conhecidas famílias do barlavento algarvio, que desde há décadas se havia envolvido no sector da Marinha Mercante em que Albino Paulino de Jesus ascendeu ao honroso posto de comissário, mercê dos seus dotes de inteligência, do seu trato afável e espírito empreendedor. Ligado aos transportes marítimos foi para Lisboa, onde abriu um escritório comercial na Rua de S. Julião, por cujas instalações passavam ao fim do dia muitos algarvios, desejosos de receber encomendas, levantar dinheiro, receber notícias dos seus familiares e até fazer alguns dos chamados negócios de oportunidade garantida.
Com os lucros do escritório lisboeta, montou um negócio de moagem no Alentejo que lhe permitiu juntar largos capitais financeiros. Ciente de que o Algarve era uma região de futuro, com emergentes potencialidades no sector do turismo, então largamente incentivado pelas instituições públicas e pela máquina de propaganda fundada pelo famoso António Ferro, de quem era, aliás, particular amigo, decidiu regressar à terra-mãe.

postal ilustrado editado nos princípios do séc. XX
Quando veio para o Algarve apercebeu-se que o apalaçado edifício da antiga Vila de N.ª Senhora das Dores, situado nas arribas da então desigada Praia de Santa Catarina (hoje Praia da Rocha), a cuja inauguração assistira em 1918, e que pertencia ao famoso industrial conserveiro António Júdice de Magalhães de Barros, estava muito degradado pelo abandono a que fora votado. Com efeito, a belíssima residência de traço neogótico, cujas janelas em arco ogival eram, e são, a sua principal característica arquitectónica, fora construída no topo da falésia, que debruçada sobre o mar permite o privilegiado visionamento daquela magnífica baía, de mar-chão e doiradas areias, que se estende desde a Ponta do Altar, em Ferragudo, até quase à Ponta da Piedade, em Lagos.
    A magestosa casa estivera ao abandono durante uma década, precisamente desde 1924, quando faleceu a esposa de Magalhães de Barros, até 1934, quando Henrique Bívar de Vasconcelos, que já possuía uma pensão no centro de Portimão, convenceu os herdeiros a arrendarem-lhe a "casa branca" para nela instalar uma moderna unidade hoteleira, que viria a ser inaugurada em 1936 sob a designação de Hotel Bela Vista. Face à crise económica que desde 1929 se instalara na América e se estendera à Europa (dando origem ao nazi-fascismo), muitas das casas bancárias e grandes industriais do país sofreram processos de insolvência que os obrigaram a vender o seu património. O imóvel agora transformado em Hotel foi um desses exemplos. Mas apesar de todas as contingências políticas e económicas desses conturbados anos, o turismo prosseguia o seu caminho, não só de preenchimento do lazer e revelação do hedonismo, mas também de novas terapias contra os flagelos da tuberculose, da asma e afecções pulmonares, contra o raquitismo, as artrites reumatóides, a psoríase e tantas outras doenças, para cujo combate e restabelecimento da saúde muito contribuíram as praias, os puros ares das montanhas e as águas medicinais das termas.

     O turismo algarvio dava então os primeiros passos, fazendo da Praia da Rocha e das termas de Monchique os seus principais pólos de atracção, tendo como oferta a amenidade do clima, a paradisíaca envolvência das suas praias, e os seus novos hotéis. A par dessa oferta e da evolução dos tempos, despontavam também os casinos, que acompanharam o desenvolvimento turístico da orla costeira. O Hotel Bela Vista foi um dos precursores do turismo moderno, com boas condições de higiéne, de conforto e de recato. Talvez por isso os seus primeiros hóspedes tenham sido estrangeiros, da orla mediterrânica, sobretudo espanhóis, gente rica, educada e empreendedora, que fugia dos horrores da guerra civil. Parece que entre esses clientes estavam figuras da política e da cultura ibérica, atraídos pela família dos irmãos Feu, industriais conserveiros oriundos da Andaluzia que também aqui se refugiaram no último quartel do séc. XIX, decidindo fixar-se em Portimão e investir no mesmo ramo industrial em que eram reconhecidos peritos. É curioso assinalar que o turismo, uma nova indústria relacionada com o lazer da burguesia, esteve em muitos aspectos diretamente relacionada com as origens da indústria conserveira em Portimão. 
     A década de trinta foi conturbadíssima na Europa. A crise económica desacreditou a democracia e deu origem a regimes políticos autocráticos e centralistas, estribados na ordem, no autoritarismo e na força militar. Em Portugal emergiu o Estado Novo, sob a figura emblemática de Salazar, cujo regime designado por Corporativismo era um decalque, mais suave e menos militarisado, do fascismo italiano. Apesar da não participação na II Guerra Mundial, o nosso país passou por uma difícil crise económica a que o turismo não poderia ficar incólome. Portugal transformou-se numa pátria de exílio para muitas coroas reinantes que haviam sido destituídas com a guerra, mas também foi um local de refúgio para muitas famílias abastadas, empresários, proprietários, artistas e "dealers" de toda a casta de mercadorias, proliferando o mercado paralelo e os negócios obscuros, sobretudo do ouro e do volfrâmio. Muitos dos estrangeiros que aqui procuravam a paz, o socego e a segurança, eram judeus, fugidos às desumanas perseguições dos nazis alemães, a célebre "solução final", como lhe chamou Hitler, que visava o extermínio raça hebraica, e o apagamento da cultura e da religião judaica. Por isso, o nosso país transformou-se, nesses primeiros anos da década de quarenta, numa espécie de plataforma de fuga para a América, ou, mais concretamente, numa plataforma de saída da Europa.
    Não admira que, nestas circunstâncias, os hotéis de Lisboa, mas também os da linha costeira até ao Estoril e Cascais, estivessem totalmente preenchidos de clientes, a maioria dos quais em trânsito. E no meio dos clientes mais abastados camuflavam-se os espiões de ambos os lados do conflito.
estado actual do Hotel Bela Vista, após recente restauro
     O turismo no Algarve poucos benefícios teve com a guerra, ou melhor, com a estadia e passagem dos refugiados. Por isso os hotéis, nomeadamente o da Bela Vista, não conseguiram sobreviver face às dificuldades de abastecimento, à carestia de vida e às dificuldades de acesso ao financiamento.  O resultado prático foi a insolvência da maioria dessas novas unidades.
    Foi no rescaldo desses conturbados anos da guerra que regressou ao Algarve um dos seus filhos pródigos, Albino Paulino de Jesus, detentor de um invejável pecúlio financeiro e decidido a investir na Praia da Rocha, aonde viria a refundar o conhecido Hotel Bela Vista, à frente do qual se manteve como sócio-gerente durante largos anos. Também pensou fazer o mesmo na praia do Estoril, mas quedou-se apenas pela aquisição de uma bela vivenda onde passava férias ou se hospedava sempre que ia a Lisboa.
Com o avançar da idade decidiu recolher-se à sua aldeia natal, a bonita freguesia de Ferragudo onde comprou um antigo e amplo moinho no cimo duma colina sobranceira ao rio Arade, de onde desfrutava uma soberba panorâmica sobre a foz e a linha prateada da costa marítima. Acalentava o sonho de restaurar o velho e altaneiro moinho para nele instalar uma pousada turística, cujas obras estavam plácidamente evoluindo. Porém, um estúpido e fatídico desastre interrompeu o mais bonito sonho da sua vida.
    O acidente deu-se na Praça Visconde de Bivar, em Portimão, quando o infeliz Albino Paulino de Jesus, que pretendia tomar lugar na camioneta da carreira para Faro, se deixou atropelar pela mesma ficando praticamente esmagado pelos rodados do pesado veículo. Expirou pouco depois no hospital local, sem que os cuidados médicos de que foi alvo pudessem evitar o triste desenlace.
Era casado com D.ª Alda Reis Paulino de Jesus e foi pai da Dr.ª Maria Carolina Paulino de Jesus, de D. Maria Celeste, de Fernando e de Adelino Reis Paulino de Jesus. Era irmão de António e de Artur Paulino de Jesus, que foram ambos muito conceituados e experientes comandantes da Marinha Mercante.
 

«O tempo está Pégo» expressão de Castro Marim


 Pégo foi a designação mais surpreendente que o Prof. Leite de Vasconcelos registou como muito frequentemente aplicada em Castro Marim, sobretudo quando aplicada ao vento de sudoeste: o tempo está Pégo. Na realidade era, e creio que ainda é, um dito muito comum naquela antiga vila raiana, como se comprova pelo seguinte ditado: “Quando Dês q’ria / do Pégo aventava /e do Norte chovia”. Segundo o eminente etnólogo “Pégo” provém do mesmo étimo  latino, pelagus, que significa mar (cf. Opúsculos, III, p. 477).

Etimologia Tiponímica de Castro Marim

 
vista panorâmica do Castelo de Castro Marim
O Prof. José Leite de Vasconcelos, na sua monumental Etnografia Portuguesa, vol. II, p. 622, dá curiosas achegas para a etimologia do topónimo Castro Marim.
Afirma inclusivamente que é um dos mais estranhos topónimos meridionais em que entra um genitivo. Diz também que por vezes se traduz o étimo latino por “Castelo da beira-mar”, face à designação Castrum Marini. Daquilo que o grande sábio não tem dúvida é que o topónimo Castro é raríssimo na região sul do país, e que, por isso, não lhe repugnava que Castro Marim proviesse da época visigótica.
 

CASTRO MARIM - Documentos Históricos


emblema da Ordem de Cristo

     Ordem de Cristo - A Bula do Papa João XXII, “Ad ea ex quibus cultus angeatur”, instituiu a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, a pedido de El-rei D. Dinis, dando para sua residência a Vila de Castro Marim. Pela dita Bula a Ordem apropriou-se de todos os rendimentos, jurisdições e regalias de que beneficiava a Ordem dos Templários, extinta pelo Papa Clemente V; também nessa Bula nomeava para grão-mestre Egídio Martins, sujeitando-se a Ordem de Cristo à visitação dos abades de Alcobaça. Dada em Avinhão, a 14-3-1319. Escrita em pergaminho, com selo de chumbo pendente.
ANTT, Gaveta VII, Maço 5, doc. 2; acrescente-se ainda outra Bula relativa ao mesmo assunto em ANTT, Gaveta VII, Maço 8, doc. 5 e docs. 6 e 8.
 Doação de Impostos à Ordem de Cristo da vintena de todo o pão que passasse pelo rio Guadiana e da terça da barca que passasse de Castro Marim para Aiamonte. Pergaminho em bom estado, assinado por D. Manuel I e datado de Lisboa a 14-5-1504. 
ANTT, Gaveta VII, Maço 11, doc. 10.
Acordo fronteiriço entre Castro Marim e Aiamonte, pelo qual se ordenava que os barcos e batéis que entrassem pela foz do Guadiana para cada uma das ditas vilas não fossem embargados pelos moradores dos respectivos lugares. Pergaminho em mau estado, datado de 1288.

Vila de Castro Marim, desenho pub. Livro de Duarte d'Armas
ANTT, Gaveta XV, Maço 15, doc. 21.
Escambo - Pergaminho em bom estado, com selo pendente de cera, datado de Leiria a 7-11-1372, que trata do escambo feito entre D. Fernando e o mestre da Ordem de Cristo, pelo qual el-rei trocou Castelo de Vide por Castro Marim. 
ANTT, Gaveta VII, Maço 14, doc. 1
Traslado de uma inquirição que se realizou a respeito dos lugares de Castro Marim e de Aiamonte. Escrito sobre papel, com 12 folhas e em bom estado, datado de 10-11-1537.
 ANTT, Gaveta XIV, Maço 5, doc. 15.
Livro do Tombo da Ordem de Cristo
Anadel-mor - Apontamentos a respeito de Garcia de Melo, anadel-mor de Castro Marim. Escrito em papel, com 2 fls., em bom estado, datado de 1509.
ANTT, Gaveta XX, Maço 5, d. 14.
 Foral antigo encontra-se no ANTT, Maço de Autos sobre Direitos Reaes e da Ordem de Cristo, n.º 1, e tb. a fls. 18 e 22, estando datado de 1-5-1282. Veja-se tb. no Livro I do Rei D. Afonso III, fl. 141, e Livro I do Rei D. Dinis, fl. 44vº. Ver tb. os Autos entre as Partes, os moradores da mesma vila e Lopo Mendes seu comendador, nos quais se deu contra este Sentença a 21-3-1504 para que não levasse mais direitos do que aqueles que estipulava o Foral. O foral manuelino, ou Foral Novo, foi dado em Lisboa a 20-8-1504, encontrando-se no Livro de Foraes Novos do Alemtejo, fl. 24, col. I.
Sentença dada pelo infante D. Henrique, duque de Viseu e regedor da Ordem de Cristo, a favor de Diogo Lopes de Freitas, contra Martim Vicente Garrido, pela qual foi condenado a pagar dois barcos bons e aparelhados como o que levara carregado de trigo pela foz do rio de Castro Marim sem pagar o direito de portagem na forma do seu foral. Escrito em papel, bem conservado e com selo de chapa. Dada em Estombar, a 20 de Janeiro de 1447.
 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Caetano Feu, impulsionador da indústria conserveira em Portimão

 
A indústria conserveira no Algarve nasceu pela mão de empresários estrangeiros, sendo certo que todos originários da bacia mediterrânica, onde desde a colonização cartaginesa se fazia a captura e transformação industrial do atum. Depois dos gregos e dos italianos terem aportado à raia do Guadiana, nas últimas décadas do séc. XIX, para investirem nas primeiras fábricas de conservas da sardinha e do atum, eis que surgem os andaluzes a buscarem o seu espaço industrial no Algarve. Fixaram-se primeiro também em Vila Real de Santo António, mas quando o mercado laboral estava já escasso e com falta de oferta especializada, viraram-se para os restantes portos algarvios, desde Tavira até Lagos. Duas localidades se distinguiram estão, nessa segunda leva de grande investimento industrial conserveiro, em grande parte justificada pelo surgimento da I Guerra Mundial - foram elas Olhão e Portimão, sendo certo que nesta última se distinguiu a família Feu, que ainda hoje perdura e se distingue naquela cidade pelo seu espírito criativo e empreendedor.
Antiga fábrica de conservas dos Irmãos Feu
Trago hoje à memória a figura desse notável empresário espanhol da indústria de conservas, e benemérito local, D. Cayetano Feu Marchena, descendente de importante família andaluza, nascido em Ayamonte, a 2-8-1882, e falecido em Lisboa, a 2-7-1946.
Dedicou-se ainda jovem ao negócio conserveiro, vindo para Vila Nova de Portimão experimentar a sua sorte, no que em boa verdade foi bem sucedido. Investiu na aldeia da Mexilhoeira da Carregação, trabalhando afincadamente no estabelecimento de pequenas unidades fabris de conservação do pescado. Conseguiu, mercê do seu denodado esforço, dedicação e inteligência, fundar várias fábricas, que em breve seriam consideradas das melhores do país. Os seus operários foram sempre tratados como seus familiares, o que aumentava significativamente o sacrifício e a dedicação de todos para o caminho do sucesso. Em retribuição desse esforço comum, D. Cayetano Feu retribuiu-lhes com a construção do Bairro Operário de Portimão, na altura considerado como um modelo de qualidade e conforto no estilo da habitação fabril. Esse bairro passou depois para a posse do Grémio dos Industriais de conservas de Peixe, sendo concluído e aumentado com a comparticipação financeira do Estado. Nas suas fábricas, construiu para o bem estar dos operários, modernas cantinas e creches, instituindo ainda subsídios na doença, reformas e pensões vitalícias para os trabalhadores mais antigos. Isto é, quando o Estado ainda não havia imposto aos empresários o acautelamento de meios de sobrevivência para os trabalhadores, já D. Cayetano Feu procedia dessa maneira com os seus operários, num espírito de filantropia e de benemerência sem precedentes.

Cayetano Feu, com as insígnias de comendador
Em 1936 naturalizou-se português, facto celebrado com um magnífico banquete servido nas caldas de Monchique aos seus familiares, numerosos amigos e principais trabalhadores. Isto atesta claramente a sua vontade de ser português e a sua convicção de servir o país que o acolheu sem reservas. Aliás, já havia servido o nosso país nos meses que se seguiram à desastrosa batalha de La Lys, o famoso e supostamente glorioso 9 de Abril que o nosso governo transformou numa vitória militar, alcançada nas fétidas trincheiras da Flandres. Nessa altura, D. Cayetano Feu, intercedeu junto das autoridades germânicas para prestar auxílio, com os seus próprios meios, aos soldados portugueses internados nos campos de prisioneiros na Alemanha. Forneceu-lhes roupas, agasalhos e alimentos, importados do nosso Algarve. Esse foi um gesto de grande dedicação que jamais poderá ser ofuscado ou esquecido nos tempos presentes.
Para além disso foi um convicto nacionalista, amigo pessoal de Salazar, que muito admirava e elogiava como um modelo de político de visão internacional. Aliás, na sua casa, na Praia da Rocha ou em Lisboa, recebeu por mais de uma vez o Presidente do Conselho, Doutor Oliveira Salazar, como hóspede e comensal. Dessa amizade existiam fotografias, cartas e até livros oferecidos por Salazar, o que atesta bem a sólida, franca e mútua admiração que existia entre ambos. Não havia nessa convivência outros interesses que não os do país e os da identidade de pensamento político. À distância actual, nada disso deve ser merecedor de crítica ou de malsinação.
Quando deflagrou a guerra civil de Espanha foi um dos maiores apoiantes da causa franquista, fornecendo aos nacionalistas não só apoio financeiro como também víveres, sobretudo conservas das suas fábricas. Também na sua residência em Portimão recebeu alguns dos principais políticos e militares do movimento nacionalista que na Andaluzia suportava os interesses da Falange do general Franco.
O Algarve foi outra das suas paixões, muito especialmente a Praia da Rocha, onde construíra uma magnífica vivenda, por onde passaram as mais proeminentes figuras da vida política e financeira do nosso país. Na Paia da Rocha passava aliás a maior parte do ano, ali promovendo diversas iniciativas de carácter cultural e até de fomento turístico, que muito beneficiaram o município portimonense. Também nas Caldas de Monchique, em cujos arredores construíra uma bela vivenda, se dedicou ao desenvolvimento das suas naturais potencialidades turísticas, tendo inclusive assumido a vice-presidência da Comissão Administrativa daquele concelho.
Figura de primeira grandeza na sociedade algarvia do seu tempo, gentil e nobre, quer no trato quer no procedimento social, sempre disponível para apoiar financeiramente e colaborar pessoalmente nas iniciativas de promoção e desenvolvimento local, quer fossem de ordem turística, cultural, social ou política. Nunca virava a cara a quem dele se abeirasse na expectativa de um auxílio, de um emprego ou de simples apoio nominal, pois que o seu nome era sinónimo de abertura de muitas portas.

Cayetano Feu na fase derradeira da vida
Quando faleceu, o Algarve sentiu o seu desaparecimento como uma perda irreparável, uma referência insubstituível e sem paralelo. A própria indústria conserveira foi-se alterando, perdendo força e desactivando-se várias unidades fabris em toda a região, inclusivamente as dos seus herdeiros, que ainda assim mantiveram até à actualidade o bom nome e o insofismável prestígio da família Feu.
Importa esclarecer que a empresa conserveira, fundada pelos irmãos, António, o mais velho, e Cayetano, chamava-se Feu Hermanos, a qual seguiu a tradição da família, pois cada geração recriava uma nova empresa conserveira, mantendo o mesmo nome, como aliás já tinha acontecido com o seu pai, Manuel, e com seu tio, António Feu Casanova,  em Ayamonte, onde primeiramente existiu a Feu Hermanos.
Para terminar, devemos acrescentar que foi casado duas vezes. O primeiro matrimónio celebrou-se em Ayamonte, a 3-1-1906, com Luicia Martin Mora, de quemteve uma filha, Lucia Feu Martin, que haveria de casar-se com Pascual Cucala Pruñunosa, de quem houve aliás numerosa descendência em Espanha. Mais tarde, Cayetano Feu viria a consorciar-se, em segundas-núpcias, com uma dama alemã, Johanna Wolfman Lüders, natural da cidade de Hamburgo na Alemanha. Deste matrimónio nasceram duas filhas Maria del Carmen Wolkman Feu Telo e Maria Luiza Wolkman Feu Leote, ambas residentes em Portimão e com conceituada descendência no Algarve e no país. Era tio de António e Ernesto Feu Marchena, que em Portimão lhe sucederam na gerência e administração das importantes unidades fabris ali instaladas.
A Junta de Freguesia da Mexilhoeira da Carregação, em meados de Julho de 1946, e em sinal de gratidão, aprovou a atribuição do seu nome a uma das ruas daquela aldeia, muito protegida e acarinhada por D. Cayetano Feu. Posteriormente foram-lhe atribuídas mais duas ruas: uma na Praia da Rocha e outra na sua cidade natal de Ayamonte.
Em 7-8-1951 foram os seus restos mortais trasladados do Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, para o jazigo de família no Cemitério de Portimão.
 

Laboratório Farmacológico, fundado por um portimonense


Assistimos hoje a tempos tão dificéis que até os farmacêuticos, proprietários e industriais do ramo, se vêem na contingência de protestar publicamente contra as medidas de austeridades do governo, que paulatinamente têm levado o nosso país para o abismo da insolvência generalisada, quer das famílias, do comércio, da indústria e até dos serviços. Creio que verdadeiramente quem não está a sofrer na pele as agruras do desemprego nem da falência, são os políticos que de forma despudorada e impune têm roubado os fracos, os desprotegidos e os desafortunados - numa palavra, o povo.
Desta última manifestação pública, realizada a 13 de Outubro, em Lisboa, ressaltou aos olhos do público e da informação em geral a marcha de protesto dos farmacêuticos, no seio da qual tive a oportunidade de vislumbrar a presença de alguns amigos e conhecidos, que merecem o meu maior respeito e admiração pela sua coragem e frontalidade.
Porém, tudo isso me fez ressaltar à memória a figura de um notável algarvio, de que certamente já poucos se lembram, mas que por ter sido um dos primordiais obreiros da indústria farmacêutica, merece ser aqui relembrado, em preito de singela homenagem. Refiro-me a José Joaquim da Costa Fernandes, farmacêutico e industrial de Farmácia, que nasceu em Vila Nova de Portimão, e faleceu em Lisboa, a 5-2-1939.
Na sua especialidade era considerado como uma incontornável autoridade, devido aos seus conhecimentos científicos e à sua experiência profissional, sendo inclusivamente responsável pela criação de novas pomadas, unguentos e pílulas, no tempo em que a indústria farmacológica era ainda incipiente e dependia em muito da inteligência e da curiosidade científica dos próprios farmacêuticos.
Fundou em 1916, com o seu comprovinciano e amigo, cor. João Correia dos Santos, o Laboratório Farmacológico, situado na Rua Alves Correia em Lisboa, que teve a fama e o prestígio de ser dos melhores do país, para além de que foi um dos primeiros a ter um sentido industrial, abastecendo a maioria das farmácias espalhadas pelo país. Aliás, no decorrer dos anos foi o «Laboratório Farmacológico» considerado o melhor do país rivalizando inclusivamente com os seus congéneres europeus.
Depois da morte de José da Costa Fernandes perdeu o Laboratório, que fundara com tanto sacrifício, o seu principal obreiro, e o país perdeu também um dos maiores vultos da indústria farmacêutica.  Ao seu sócio e amigo, cor. Correia os Santos faltava-lhe o espírito empresarial, revelando-se um estudioso profícuo, grande intelectual e colaborador assíduo da imprensa, nomeadamente do Algarve.
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Viagens régias ao Algarve


Desde a conquista do Algarve, e sua definitiva integração no espaço nacional em 1252, até à proclamação da República em 1910, apenas alguns dos nosso monarcas se deram ao trabalho de visitar este extremo sul do território pátrio. Isto comprova, em certa medida, o pouco apreço em que o centro sempre teve a periferia. Para Lisboa o Algarve nunca teve qualquer importância, a não ser pelo exotismo da sua cultura e da sua diversidade ambiental, como se fosse uma espécie de reentrância da África adentro da Europa. Daí que praticamente nunca se tivesse investido na região, mormente através de grandes obras públicas, o que, áparte um ou outro melhoramento operado no tempo de Duarte Pacheco, só na década de sessenta do século passado, após a descoberta das suas potencialidades turísticas, é que o Algarve começou a ser conhecido e visitado, não só pelos turistas nacionais e estrangeiros, como ainda pelas entidades governamentais.
Assim, desde o séc. XII até à queda da monarquia, o Algarve raramente foi distinguido com uma visita régia, sabendo-se o quanto esse gesto dignificava e honrava os povos e as terras que recebiam a comitiva real.  Apenas os reis D. Sancho I, D. Afonso III, D. João I, D. Afonso V, D. João II, D. Manuel I, D. Sebastião e D. Carlos I, tiveram a sensatez de honrar o Algarve com a sua presença.
O rei D. Sancho I chegou ao Algarve em 11-7-1218, e em Setembro, após prolongado cerco, logrou conquistar a cidade. Após distribuir o saque pelos Cruzados que o ajudaram a conquistar a cidade, nomeou as novas autoridades e partiu para Lisboa.
D. Afonso III veio ao Algarve pelas mesmas razões, continuar a conquista do Algarve; chegou a Faro na primavera de 1249 e após a tomada da cidade, sem derramar sangue, decidiu partir envolto em lendas de paixão.
D. João I chegou a Lagos em 26-7-1415, aquando da conquista de Ceuta.
D. Afonso V chegou a Sagres em 3-9-1458, e de Lagos partiu para Alcácer Ceguer. Em 9-11-1463 voltou a Lagos para atacar de novo a África. Em 1471 voltou pela terceira vez a Lagos, na sua última tentativa para conquistar o Norte de África.
D. Manuel I em Agosto de 1508 veio a Tavira onde reuniu um exército para ir em socorro da praça de Arzila.
D. Sebastião veio ao Algarve numa demorada viagem por terras do interior alentejano, marcada com gestos de pompa e circuntância. Chegou igualmente para Tavira, onde reuniu as suas forças militares, e partiu em Setembro de 1574 para Ceuta de seguiria para o desastre de Alcácer-Quibir.
D. João II veio também para Tavira, onde chegou a residir para tratar dos seus achaques nas águas de São Paulo. Mas por falta de resultados mais positivos partiu para Monhique, onde não conseguiu debelar os sintomas de envenenamento de que vinha sendo vítima. Acabaria por falecer em Alvor, onde parece que tentou novo tratamento de águas. Ficou sepultado em Silves, até que foi trasladado em longo cortejo fúnebre para o Mosteiro da Batalha. Foi este o rei que mais tempo permaneceu no Algarve.
O último rei a visitar o Algarve foi D. Carlos I, que embora por várias vezes aqui tivesse vindo de forma particular, só uma o fez de forma oficial, decorrendo essa visita de 9 a 14 de Outubro de 1897.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Algarvios, povoadores de outras terras

 
Já aqui me referi ao subido interesse e insofismável importância histórica e socioantropológica da Toponímia. Na maioria dos casos os topónimos adoptam a designação dos acidentes naturais que lhes estão adstritos (portos, cabos, montes, rios, minas), noutros casos adoptam o nome de animais (zoónimos), de plantas (fitónimos) e até de rochas, mas na generalidade eternizam o nome do seu fundador (antropónimos), do povo colonizador e até dos seus conquistadores. Existem cidades e vilas, tanto no nosso país como no Brasil e restantes ex-colónias, cujas designações comprovam as suas origens naturais e as suas origens históricas confirmadas na toponímia, como por exemplo Porto, Portalegre, Porto de Mós, Porto Alegre, Cabo Verde, Cabo Frio, Monte Alegre, Monte Carmelo, Minas Gerais, Rio Grande, Rio de Janeiro, etc.. 
No Algarve existem sítios e aldeias cuja toponímia certifica exactamente as mesmas origens naturais, como Porto do Carro (Estoi, Faro), Porto Largo (Monchique), Porto Nobre (Querença, Loulé); mas também Monte Gordo (Vila Real Stº António), Monte Clérigo (Aljezur), Monte das Sarnadas (Alte, Loulé), para além de muitos outros.

Instituto Superior Técnico, grandiosa obra de Duarte Pacheco
Mas não eram as origens naturais, físicas ou históricas dos topónimos que designam as localidades a razão principal deste breve apontamento. É que ao contrário do que se pensa ocorreram ao longo dos séculos necessidades de povoamento - aquilo a que poderiamos chamar colonização interna - que exigiram dos governantes e outras autoridades o uso de medidas enérgicas e urgentes para obstar ao despovoamento. Nalguns casos atraíam-se os povoadores com propostas de trabalho e de melhores salários, noutras com isenções e privilégios (isenção de recrutamento militar, não pagamento de impostos) e noutras com reaquisição dos direitos de liberdade controlada (transferência de presos e condenados para os castelos raianos, para os coutos de homiziados e para as colónias).

Bairro social da Ajuda, notável obra de Duarte Pacheco
Mas casos houve em que o povoamento se fez duma forma quase forçada, imposta ou sem hipóteses de recusa, principalmente nas terras do sul. Ainda não há muitos anos que o ministro Duarte Pacheco, para dar satisfação a grandes obras públicas de desenvolvimento nacional, como barragens, estradas, etc., arrebanhava mão de obra no Alentejo e Algarve, de uma forma quase forçada e algo atrabiliária. Não vamos agora falar disso, mas todos sabemos que muitas centenas, senão milhares, de alentejanos e algarvios foram deslocalizados das suas terras de origem para irem construir em Lisboa diversas obras públicas, como foram os casos do Estádio Nacional, Parque de Monsanto, Alameda, Instituto Superior Técnico, pontes e estradas diversas, resultando disso a sua fixação em acampamentos e "bairros de lata", erigidos a esmo nas colinas e zonas limítrofes da capital, para só mais tarde serem definitivamente realojados nos novos bairrros sociais de Alcantara, da Ajuda, do Arco do Cego, de Monsanto, etc.
Tudo isto para dizer que ao contrário do que era comum e até previzível no povoamento do território nacional, houve casos em que a origem dos seus primeiros povoadores deu o nome ao sítio ou ao local onde se fixaram, como aconteceu por exemplo no sítio dos Parizes, no concelho de São Brás de Alportel, que foi povoado por franceses que desertaram das tropas napoleónicas quando daqui foram rechassados em 1808. O mesmo aconteceu com o sítio dos franceses, na serra do Cachopo, concelho de Tavira.
Todavia, houve também casos de povoamento interno feito por algarvios, que não sabemos se foi realizado de forma pacífica e concertada, ou se foi operado de forma forçada pelas autoridades do tempo. Não sabemos inclusivamente a que época remontam, mas devem ter sido operados há alguns séculos atrás os dois casos que conheço de transferência de algarvios para efeitos de povoamento. São ambos no concelho de Alcácer do Sal e dizem respeito à pequena "Aldeia dos Algarvios", que nos anos quarenta do século passado tinha 26 fogos, e o "Monte dos Algarvios" que tinha apenas 4 fogos. Sei também que naquela cidade, implantada à beira Sado, existe uma «Rua dos Algarvios», o que é uma bonita homenagem aos que daqui partiram e não mais voltaram.
 

domingo, 7 de outubro de 2012

Deputados do Algarve em 1826-1828

 
No início do período cartista foram eleitos pelo Algarve, para a legislatura de 1826-1828, os seguintes deputados:
André Urbano Xavier da Fonseca;
António José de Lima Leitão;
José António Ferreira Braklamy;
Manoel Christovão de Mascarenhas Figueiredo (este preso como miguelista e só tomou posse do cargo a 29-3-1827);
Rodrigo de Sousa Castelo Branco.
 
Quando "o Rei chegou, e na barraca não entrou" (como dizia a módinha de então), o parlamento foi destituído, e muitos destes deputados foram presos, à excepção do Mascarenhas Figueiredo. Os que puderam escapar aos caceteiros miguelistas fugiram para Inglaterra, Bélgica, Holanda e França, onde iniciaram a resistência pela reinstauração da Liberdade em Portugal. Os que ficaram sofreram as agruras do cárcere e da forca. Veja-se a esse propósito o monumental livro de Silva Lopes História do Cativeiro dos Presos de Estado na Torre de S. Julião da Barra de Lisboa (1833-1834), reeditado pelas pub. Europa-América.

sábado, 6 de outubro de 2012

Antigas medidas de peso, volume e comprimento

  
Caixa de pesos e medidas usadas pelo aferidor municipal
Talvez nem todos saibam que antigamente, desde a Idade Média, sobretudo a partir do movimento foraleiro, isto é, da atribuição das Cartas de Foral aos Concelhos, que as medidas com que se aferiam os pesos, capacidades e comprimentos das produções, agrícolas e industriais, assim como dos bens e mercadorias que animavam as actividades mercantis nacionais, eram diferentes de terra para terra, o que em nada beneficiava os preços e em muito contribuía para a inflação dos preços e consequente destabilização do mercado.

   Só após a institucionalização do Sistema Métrico Decimal, adoptado e aprovado a partir de 7-4-1795, é que as unidades de medida passaram a ser padronizadas, e a partir de então oficialmente utilizadas nos mercados das diversas nações europeias. Lembro que até aí essas medidas eram definidas de maneira arbitrária e, por vezes, discricionária, variando de país para país, o que em muito embaraçava, e até inibía, o comércio, os negócios e as transações internacionais. O modus operandis era de tal maneira arbitrário que basta dizer dependia das partes constitutívas do corpo do monarca de cada país, nomeadamente do tamanho anatómico da sua mão (palmo), do seu polegar (polegada), do seu antebraço (côvado) ou do seu braço (braçada), do seu pé, ou até mesmo do seu nariz, cuja distância ao seu polegar com o braço estendido prefazia aquilo a que se convencionou chamadar uma jarda.[1]
medidas antropomórficas (pé e polegada)
Eram medidas antropométricas, que por terem uma origem natural (homo mensurável), pareciam aos olhos do povo perfeitamente lógicas ou justificáveis.

 É claro que essas medidas, com o evoluir dos séculos, deixaram de depender das características naturais que estiveram na sua origem histórica, para se fixarem em padrões mais consentâneos com o meio físico e com as necessidades mercantis, adoptando uma medida oficial e inalterável. O que é certo é que ainda hoje são utilizadas no Reino Unido, que por razões e tradição histórica, e pelo seu natural conservadorismo, se recusou a adoptar o Sistema Métrico Décimal, preferindo manter as suas velhas medidas.
   Deixemos essas curiosidades e avancemos para o que mais nos interessa agora, isto é, para a relação e equivalência das antigas medidas de peso, volume e comprimento.
   Aqui fica, portanto, a relação dessas medidas e do seu valor oficial, sendo que estes só tiveram efectividade no nosso país a partir de 1814, mercê da aprovação do sistema métrico décimal pelo príncipe-regente D. João VI.
   ALMUDE - medida para aferir os líquidos, sobretudo o vinho, e que era equivalente a 12 canadas, correspondendo a 16,8 litros. 
   ALQUEIRE - medida
de capacidade, usada para secos de volume variável, geralmente milho, trigo, aveia, centeio, grão, feijão, assim como todo o tipo de gramíneas e sementes. Também podia ser usado para os líquidos, o que só acontecia em pouquíssimos concelhos do país, e nesse caso equivalia a 6 canadas, ou seja, 8,4 litros. Mas o seu valor em seco (quer para as transações comerciais, quer para a avaliação das terras de semeadura) passou a ser oficialmente de 13,9 litros, por decisão do Marquês de Pombal, logo após o terramoto de 1755. Valor esse que se manteve para sempre.
   ARRATEL - medida de peso, que na Idade Média correspondia ao peso da libra que se usava na península ibérica, mas que não era igual à que se usava, e ainda usa, nos países anglo-saxónicos. O seu valor no século XIX, após a converção ao SMD, era de 459,5 gramas. Esta medida usava-se muito para aferir o peso dos animais, sobretudo para o preço da carne ao público. A libra britânica corresponde a 500 gramas.
medidas de alqueire (um, meio, e quarta), ainda hoje usadas
na venda a retalho de cereais nas feiras mercados tradicionais
   ARROBA - como medida de volume, para líquidos como o vinho, valia aproximadamente 16 litros, mas se fosse para o azeite já valia menos, cerca de 12,5 litros; era principalmente usada  nas transações comerciais como medida de massa, para pesar porcos e bovinos, e nesse caso era equivalente a 32 arráteis (14.720 gr), sendo arredondada com o SMD para 15 kilogramas.
   CANADA - medida de volume mais usada nas transações mercantis, e talvez a mais antiga que se conhece em Portugal. Nos forais aparece para aferir quase todos os líquidos, sendo muito usada para medir o azeite. Equivalia a 1,4 litros, mas o valor mais comum era o usado no mercado de Lisboa, onde valia 1,5 litros, sendo esse o que prevaleceu até à adpção do sistema internacional de unidades em 13-12-1852. Dividia-se em 4 quartilhos, era a 12ª parte do Almude, e 6 canadas prefaziam um pote, unidade que rapidamente caiu em desuso no nosso país. O quartilho foi muito usado para a comercialização a retalho do vinho, equivalendo a 0,35 litros.
   COVADO - medida de comprimento, talvez a mais antiga, conhecida e usada desde os tempos bíblicos, baseava-se no tamanho do antebraço, isto é na distância que ia da ponta do dedo médio até ao cotovelo. Parece terem sido os egípcios os seus inventores, com um valor aproximado de 50 cm. Com o desenrolar dos séculos evoluiu entre os 45 e os 67 cms, fixando-se, antes do SMD, em cerca de 66 cm, o equivalente a 3 palmos.
   MOIO - medida de capacidade muito usada no nosso país desde a Idade Média, que tinha uma grande ambivalência, pois que não só se usava para capacidades de sólidos e de liquídos, como também servia para medir superfícies agrárias, tendo como exemplo a área média de terreno que podia ser semeada com um moio de trigo, de centeio, de cevada, etc. Herdamos esta medida dos romanos que a usavam para os sólidos como para os líquidos, mas com valores muito díspares. Entre nós valia 560 litros com D. Afonso Henriques e subiu até 790 litros com D. Manuel I. O seu valor mais comum era de 60 alqueires, só que o valor do alqueire variava de terra para terra. Mas com a introdução do  sistema métrico de unidade o moio passou a ser avaliado em 828 litros.
   QUARTA - medida de capacidade ou de volume, era a quarta parte do alqueire, do arrátel e da vara. Era por vezes citada com o valor de 2 maquias, o equivalente no sistema métrico a 1,725 litros. Já agora, acrescento que cada maquia valia 0,8625 litros. Já que falei em "vara" convém dizer que se usava como medida de comprimento, e que equivalia a 5 palmos, que foram arredondados no sistema métrico para 1,1 metros.
   QUARTILHO - medida de volume para líquidos, que antigamente valia cerca de 0,5 litros, passando com a introdução do sistema métrico para 0,35 l.
   VARA - medida de comprimento, que como já disse valia 1,10 metros.


[1] A origem da “jarda” (yard, em inglês), como medida de comprimento, remonta ao século XII, durante o reinado de Henrique I de Inglaterra, que decidiu instituir a distância entre seu nariz e o polegar de seu braço estendido como sendo uma jarda. Esta medida não está desactivada nem foi esquecida, pois que ainda hoje é usada (por exemplo no Futebol Americano para decidir as medidas que separam as linhas em que se divide o terreno de jogo). Era oficial no comércio britânico aferir-se a jarda como equivalente a 3 pés ou a 36 polegadas, e julgo que é essa ainda a medida usada no mercado anglo-saxónico. A jarda mede cerca de um metro, mais concretamente 0,91 m, ou seja, 91 centímetros.